Mais de um milhão de tartarugas mortas ou traficadas em três décadas

Entre 1990 e 2020, mais de 1,1 milhão de tartarugas marinhas foram mortas ilegalmente ou traficadas em 65 países. A primeira avaliação global deste animal foi publicada na revista científica Global Change Biology.

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Ao longo do período de estudo de 30 anos, 95% das tartarugas marinhas caçadas vieram de duas espécies - as tartarugas-verdes (na foto) e as tartarugas-de-pente Reuters/ANTARA FOTO

Mais de 1,1 milhão de tartarugas marinhas foram mortas ilegalmente ou traficadas entre 1990 e 2020, estima um estudo recente publicado na revista científica Global Change Biology. Apesar da existência de legislação para proteger espécies ameaçadas, acredita-se que cerca de 44.000 destes animais tenham sido explorados por ano ao longo da última década em 65 países ou territórios.

Ficámos surpreendidos tanto com a magnitude quanto com a abrangência geográfica da caça ilegal. Nunca esperaria que encontrássemos mais de 1 milhão de tartarugas mortas ilegalmente em 65 nações diferentes”, afirmou ao PÚBLICO por e-mail Jesse Senko, primeiro autor do estudo e professor assistente da Universidade Estadual do Arizona, nos Estados Unidos.

Este é o primeiro estudo a avaliar a caça ilegal de tartarugas marinhas. Não analisamos apenas a magnitude e o alcance da caça ilegal, também tentamos compreender como a caça ilegal provavelmente está a afectar as principais populações de tartarugas marinhas do mundo”, acrescenta Jesse Senko.

Apesar de o número de tartarugas caçadas ilegalmente ser impressionante, o estudo da Universidade do Arizona revela que a exploração ilegal destes animais marinhos diminuiu cerca de 28% na última década. Esta queda também surpreendeu os investigadores, que esperavam encontrar uma subida da caça ilegal.

“O declínio na última década pode ser atribuído ao aumento da legislação de protecção e aos melhores esforços de conservação, juntamente com um aumento da consciencialização sobre o problema ou mudanças de hábitos e tradições locais”, afirma Kayla Burgher, co-autora do estudo e investigadora de doutoramento programa de ciências da vida ambiental da Universidade do Arizona, citada numa nota de imprensa.

Além deste ligeiro declínio na caça ilegal, os cientistas perceberam que a maior parte da exploração ilegal relatada na última década ocorreu em populações grandes, estáveis ​​e geneticamente diversas de tartarugas marinhas. Jesse Senko acredita que esta constatação é pelo menos um aspecto positivo num cenário preocupante.

“Muitas tartarugas marinhas ainda estão a ser mortas ilegalmente em muitos lugares diferentes do mundo. Essa é a má notícia. No entanto, a boa notícia é que isso parece estar a diminuir. Por outras palavras, os níveis actuais de exploração ilegal provavelmente não estão a ter um grande impacto negativo na maioria das principais populações de tartarugas marinhas”, explicou Senko ao PÚBLICO.

Optimismo cauteloso

Jesse Senko acrescenta, contudo, que os resultados devem ser interpretados com cautela. “Avaliar qualquer actividade ilegal é difícil, e a captura e comercialização de tartarugas marinhas não é excepção, principalmente quando se torna organizada ou ligada a facções criminosas. A nossa avaliação também não incluiu ovos ou subprodutos de tartarugas, tais como pulseiras ou brincos feitos a partir de cascos de tartarugas marinhas”, refere o cientista.

Neste estudo da Global Change Biology, os cientistas analisaram dados de artigos de revistas com revisão por pares, relatórios de organizações não-governamentais e questionários online para obter um retrato abrangente das tartarugas marinhas exploradas.

Os resultados obtidos sugerem padrões e tendências que podem ajudar a definir estratégias e prioridades de conservação. O Vietname, por exemplo, foi o país de origem mais comum para o tráfico ilegal de tartarugas marinhas, ao passo em que a China e o Japão serviram como destinos para quase todos os produtos traficados de tartarugas marinhas. Da mesma forma, a rota comercial do Vietname para a China foi trajecto mais comum ao longo das três décadas.

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As tartarugas-de-pente estão entre as populações de tartaruga marinha mais ameaçadas e antigas do planeta. DR/ Lindsay Lauckner

Ao longo do período de estudo de 30 anos, 95% das tartarugas marinhas caçadas vieram de duas espécies – tartarugas-verdes (Chelonia mydas) e tartarugas-de-pente (Eretmochelys imbricata) ​– ambas listadas sob a Lei de Espécies Ameaçadas dos EUA. Além disso, o Sudeste Asiático e Madagáscar destacam-se como os principais pontos de captura e comércio ilegal de tartarugas marinhas, particularmente para as E. imbricata, que estão​ criticamente ameaçados, que são valorizados no comércio ilegal devido à bela carapaça que possuem.

“É necessário um maior apoio aos governos que carecem de recursos para proteger as tartarugas marinhas, juntamente com o apoio às comunidades para sustentar o bem-estar humano diante de restrições ou proibições à exploração de tartarugas marinhas. Devemos desenvolver estratégias de conservação que beneficiem tanto as pessoas quanto as tartarugas”, conclui Jesse Senko.

O tráfico ilegal e a matança de animais e plantas constituem uma das mais graves ameaças à biodiversidade, a par com a crise climática. Apesar de existirem muitas leis internacionais contra o comércio de animais selvagens no mercado negro, este continua a ser considerado uma das indústrias ilícitas mais lucrativas do mundo, gerando milhares de milhões de euros todos os anos. Animais, especialmente espécies ameaçadas de extinção, são frequentemente explorados e vendidos devido às peles e outras partes do corpo para serem usados ​​como remédios, afrodisíacos, curiosidades, alimentos e artefactos espirituais.