Porto Santo: o novo must dos vinhos tranquilos e a uva mais cara do país

O recente interesse por castas tradicionais do Porto Santo fez disparar o preço do quilo de uva para os quatro euros. O valor mais elevado do país, que só encontra paralelo no Pico.

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O viticultor Pedro Dias desafiou a Justino's Madeira Wines a fazer vinhos tranquilos com as uvas do Porto Santo.

Em dois anos, o preço quase duplicou. São quatro euros por quilo de uva, que os viticultores no Porto Santo estão a receber este ano pelas castas Caracol e Listrão.

António Maçanita, que montou no Porto Santo a Companhia de Vinhos dos Profetas e dos Villões, não se choca com o preço. A uva, diz o enólogo ao Terroir, só pode valer isso se o vinho tiver esse valor. “E este vinho, tem”, garante.

Os quatro euros por quilo que estão a ser pagos esta vindima fazem do Caracol e do Listrão as uvas mais bem pagas do país. Muito acima do valor da casta Alvarinho que é a mais cara do continente (cerca de um euro por quilo) e ao lado do Arinto, do Terrantez e do Verdelho, no Pico, que no passado chegaram a ultrapassar os quatro euros e este ano estão a ser compradas a um valor um pouco abaixo das uvas do Porto Santo.

Quando Maçanita chegou à ilha em 2020, contagiado pelo entusiasmo do amigo Nuno Faria, sócio do 100 Maneiras, pelos muros de pedra pintada de branco que protegem as vinhas de chão dos ventos atlânticos, começou por pagar dois euros por quilo. No ano passado, o valor já estava nos 2,5 euros e as expectativas para este ano eram que o preço andasse à volta dos três euros por quilo. Mas a redescoberta destas castas aumentou a procura, e com uma produção pequena (cerca de 35 toneladas de Caracol e Listrão em 2021), o preço disparou para os quatro euros.

Juan Teixeira, da Justino’s Madeira Wines, já andava pelo Porto Santo antes de Maçanita ter descoberto aquelas vinhas velhas. “Entende” a escalada de preços, mas considera uma “loucura” os valores que estão a ser atingidos. “Percebo que exista pouca quantidade e que a procura tenha aumentado, mas estes preços não são sustentáveis no futuro”, argumenta o enólogo e director-geral da Justino’s, que há quatro anos regressou ao Porto Santo à procura de novas tonalidades para os Madeira. O resultado foi a produção de dois lotes de Caracol e Moscatel Graúdo que vão envelhecer pelo menos dez anos em barricas de carvalho nas adegas da empresa, no Funchal.

Pelo caminho, acabou a produzir vinhos tranquilos. No ano passado o Colombo Caracol/Listrão. Este ano o Colombo Listrão. “É o nosso primeiro vinho 100 por cento elaborado com esta casta”, entusiasma-se Juan Teixeira, explicando o regresso ao Porto Santo, após 14 anos afastado da ilha dourada. “Resultou do desafio que foi colocado por um jovem viticultor, Pedro Dias, que queria valorizar a produção e contribuir para voltar a colocar a ilha no mapa vinícola”, conta.

No passado, a aquisição de uvas no Porto Santo era destinada apenas à produção de vinho Madeira. Sem segregação de uvas e em lotes de diversas castas. Neste regresso, a abordagem tem sido diferente, mas focada nas potencialidades destas vinhas que crescem em fazendas de areia. Os preços que a Justino's está a pagar pela uva no Porto Santo explicam-se pela concorrência, mas enquadram-se no despertar da região da Madeira como um todo para os vinhos tranquilos, a que temos assistido nos últimos anos: a empresa pagou a 2,70 euros o quilo de uvas para vinho Madeira e previa pagar 2,80 euros para vinho de mesa, mas acabou por ter de pagar essas uvas a 3,50 euros.

Gregório Cunha
Gregório Cunha
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Gregório Cunha

“Montamos uma equipa, que tem procurado apoiar os viticultores ao nível técnico — poda, condução, tratamentos fitossanitários —, mas também na cedência de material vegetativo e fertilizantes”, enquadra Juan Teixeira, que está a trabalha directamente com 11 viticultores, liderados por Pedro Dias. “Nós temos uma enorme história de vinhos, que foi esquecida, abandonada, e agora queremos recuperar”, diz o viticultor, que há quatro anos investiu na compra de um terreno para plantar vinhas, a Quinta do Pilha Gatos, e olha agora satisfeito para a redescoberta das castas do Porto Santo. “Primeiro a Justino’s, depois o Maçanita com ideias novas. Tudo isto é um bom caminho, mas é preciso mais apoios para que outros jovens se interessassem também por estas vinhas.”

Da parte do governo madeirense, está previsto o investimento numa pequena adega na ilha, para evitar que as uvas tenham de ser transportadas de barco para a Madeira, para a vinificação. Mas, para já, Maçanita encontrou uma solução. “Alugamos um espaço que funcionava como uma oficina automóvel, e montamos uma adega de garagem. Tudo certificado, claro”, partilha.

Tal como a Justino’s, a Vinhos dos Profetas e dos Villões de Maçanita aumentou este ano o compromisso com o Porto Santo. Além do investimento na adega, contou com a ajuda de duas enólogas argentinas, e vai lançar este ano dois novos rótulos, depois das boas surpresas que foram o Listrão dos Profetas 2020, o Listrão dos Profetas – Vinho da Corda 2020 e o Caracol dos Profetas 2021. Os novos vinhos são um made in Porto Santo, o Caracol dos Profetas – Fazendas de Areia 2022, e outro produzido na Madeira, o Tinta Negra dos Villões 2022. A primeira experiência com esta casta, abundante na Madeira, foi no ano passado, mas durante o transporte caiu e perdeu-se. Salvaram-se duas garrafas. “Gostamos muito do resultado e decidimos produzir este ano.”

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