A trabalhar ou a fazer voluntariado, eles aproveitam o Verão para ajudar

Se a maioria tira férias no Verão para descansar, Mateus, Sofia e André usam-nas para trabalhar. Entre fazer voluntariado ou ter mais do que um emprego, os três jovens garantem que viver assim não é cansativo. No final, ajudar os outros é como estar de férias.

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Ao contrário da maioria dos portugueses, Mateus, Sofia e André trabalham no Verão,Ao contrário da maioria dos portugueses, Mateus, Sofia e André trabalham no Verão DR

Mateus Araújo Pires, de 27 anos, podia aproveitar os dias de Verão para ir até à praia, viajar, sair com os amigos ou simplesmente ir a festivais de música. Em vez disso, prefere utilizar 15 dos 22 dias úteis de férias para trabalhar como voluntário e reabilitar casas.

Para este jovem, abdicar das férias para ajudar os outros não é uma coisa nova. Quando ainda estudava Geologia, fez parte do Banco Alimentar, deu explicações a crianças com dificuldade socioeconómicas e distribuiu refeições a pessoas sem abrigo, mas foi em 2017, com a reabilitação de casas degradadas – que, em certos casos, acaba por se transformar na reconstrução total –, que assumiu “um compromisso” com o projecto Just a Change.

“Não tenho por hábito passar férias com amigos ou com família. Também não namoro, portanto acabo por não ter que ‘investir’, digamos assim, parte do meu tempo nesse tipo de actividades. Acaba por se juntar o útil ao agradável: tenho o meu tempo ocupado e dedico-o a uma causa que me é muito familiar e que sei o quão importante é”, começa por explicar ao P3.

É por isso que, todos os anos, a primeira quinzena de Agosto está reservada para o voluntariado. No fundo, é como se o gerente de contas assumisse outra profissão: sabe pintar, colocar chão e telhado, montar cozinhas e até instalar a canalização, luz ou água. Em 15 dias, a casa está pronta a ser novamente habitada.

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Mateus aproveita o mês de Agosto para reconstruir casas através do projeto Just a Change Mateus Araújo Pires

Em 2021, foram reabilitadas 56 casas nas regiões norte, centro e sul de Portugal, revelam os mais recentes dados da organização, que procura reduzir os níveis de pobreza habitacional no país​. Mateus explica que só tem participado nas obras da Área Metropolitana de Lisboa e acrescenta que as condições das casas – ou a falta delas – também são visíveis a poucos quilómetros da capital. Óbidos é exemplo disso.

Em 2018, deparou com uma casa que tinha “apenas as quatro paredes”. “O telhado tinha alguns defeitos, não tinha isolamento, electricidade ou água. O chão era de terra batida, a cozinha tinha só um pequeno fogão a gás daqueles do campismo e um banco de um carro velho”, conta. “Além do mais, a casa tinha pulgas”, recorda, acrescentando que esta foi a maior intervenção em que participou até à data.

Trabalhar praticamente o ano todo é um ciclo que já se repete há quatro anos e com o qual Mateus não se importa. O cansaço físico existe, mas acaba por ser irrelevante quando assiste às condições menos dignas em que muitos ainda vivem. “As férias são boas pelo cansaço psicológico. Efectivamente, a Just [a Change] acaba por ser um refúgio nisso, porque permite-me desligar do trabalho quando estou em obra e porque automaticamente também estou a ajudar. Acho que isso é bastante recompensador e vê-se no dia-a-dia.”

Trabalhar sete dias por semana

Já André Pinto trabalha sete dias por semana, dividindo-se entre duas ocupações mesmo durante grande parte do Verão, movido pela vontade de ajudar —​ e de ser financeiramente independente. De segunda a sexta-feira, das 9h30 às 18h30, é gestor do departamento de desporto e projectos numa IPSS em São Pedro da Cova, Gondomar; nos intervalos, vai executando tarefas como presidente de uma associação desportiva Aventur na mesma freguesia. “Normalmente, tenho liberdade para gerir os horários consoante o volume de trabalho de cada um”, revela.

O jovem de 27 anos garante que ter dois empregos não é cansativo, mas admite ser necessária alguma “predisposição” para resolver problemas e, acima de tudo, uma agenda bem definida para garantir que também está disponível para a família e amigos. Tira apenas duas semanas de férias em Agosto, essenciais para se conseguir “desligar” um pouco. No final, conclui, o esforço compensa.

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Ter alguma estabilidade financeira e ajudar a comunidade são alguns dos motivos que levam André a ter dois trabalhos André Pinto

Além de ajudar a comunidade, principalmente os mais jovens, pessoas com deficiência e doença mental, através de teatro, natação ou surf adaptado, ter dois trabalhos garante alguma estabilidade financeira – razões que o fazem sentir realizado profissional e pessoalmente. “A partir do momento em que estes três factores não estiverem em cima da mesa, não faz sequer sentido ter dois trabalhos, quanto mais um”, atira.

Em relação ao vencimento, prefere não adiantar números, mas diz que neste momento é suficiente para suportar os custos de vida. Depois de pagar todas as despesas consegue poupar o mesmo valor que o ordenado mínimo nacional, ou seja, 705 euros.

Todos estes motivos fazem com que André queira continuar a ter dois empregos pelo menos até aos 40 anos. Depois disso, o plano é gozar da reforma antecipada e passar os 12 meses do ano de férias.

Verão entre dois trabalhos e o voluntariado

Sofia Figueirinhas também tem dois trabalhos, mas não está nos seus planos reformar-se tão cedo. Bastam apenas cinco minutos de conversa para perceber que a rotina da terapeuta de reabilitação psicomotora não é muito diferente da de Mateus: tal como o jovem, dispensa descansar quando está de férias.

Em 2021, achou que seria uma experiência positiva combinar o trabalho com o voluntariado e, desde então, aproveita as noites de Verão, normalmente em Agosto, para se dedicar ao trabalho de socorrista na delegação da Amadora da Cruz Vermelha Portuguesa.

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Sofia aproveita as férias de Verão para fazer voluntariado na Cruz Vermelha Portuguesa Sofia Figueirinhas

Apesar de a agenda ser preenchida, é uma ginástica que se faz bem e não é nada cansativo, afirma a jovem de 24 anos. “Faço férias durante o dia e durante a noite faço turnos. Não fico todas a noites seguidas, mas quando há disponibilidade ou vaga vou.” O máximo de dias seguidos dedicados ao serviço são três, cada um deles com 12 horas de trabalho.

Mas podem existir excepções e ser chamada para ajudar durante o resto do ano, como aconteceu em Março, quando a guerra da Ucrânia obrigou à abertura do centro de acolhimento temporário para refugiados de Lisboa. Durante esse tempo saía do trabalho como terapeuta às 16h30 e ia para o abrigo da Cruz Vermelha, onde ficava até à noite. “Foi uma opção que fiz”, conta, acrescentando que voltaria a agir da mesma forma.

De regresso aos meses de Verão, época em que há mais voluntários, o facto de receber a escala com um mês de antecedência significa que ainda sobra tempo para planear saídas com os amigos e, pelo menos, uma semana de férias longe de Lisboa.

Mas se não conseguir, também não é algo que a incomode. “Estar lá para mim é quase como estar de férias. É uma coisa que eu gosto mesmo de fazer independentemente das horas que forem e do sítio que for.”

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