Relatório da ONU fala em possíveis “crimes contra a humanidade” em Xinjiang

China reage duramente acusando o Alto Comissariado da ONU de “acólito e cúmplice do Ocidente” e o relatório de ser criado “a partir do nada”

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Michelle Bachelet na sua última conferência de imprensa enquanto alta comissária da ONU para os direitos humanos Reuters/PIERRE ALBOUY

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) fala em possíveis “crimes contra a humanidade” cometidos contra a minoria muçulmana uigur e membros de outros grupos étnicos na província de Xinjiang, no noroeste da China.

“A extensão da detenção arbitrária e discriminatória de membros dos uigures e de outros grupos predominantemente muçulmanos (…) pode constituir crimes internacionais, em particular crimes contra a humanidade”, disse o ACNUDH no relatório.

A agência da ONU cita “provas credíveis” de tortura e violência sexual, pedindo a intervenção da comunidade internacional.

Numa resposta dura, Pequim acusou ACNUDH de agir como “acólito e cúmplice” dos Estados Unidos e do Ocidente ao publicar o relatório sobre Xinjiang.

“O ACNUDH criou o relatório a partir do nada, apoiando-se na conspiração política de algumas forças antichinesas no estrangeiro”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Wang Wenbin, citado pela AFP.

“O relatório é um pacote de desinformação e um instrumento político para a estratégia dos Estados Unidos e do Ocidente de utilizar Xinjiang para impedir o desenvolvimento da China”, disse Wang, numa conferência de imprensa em Pequim.

O relatório sobre Xinjiang foi divulgado na quarta-feira à noite, antes de a Alta Comissária Michelle Bachelet terminar o seu mandato de quatro anos e resulta de uma controversa visita de Bachelet a Xinjiang em Maio.

A China opôs-se à publicação do relatório, cuja divulgação era exigida por países ocidentais e organizações de defesa dos direitos humanos.

Organizações independentes e jornalistas acusam há vários anos a China de internar mais de um milhão de uigures e membros de outros grupos étnicos muçulmanos em “campos de reeducação”, impondo até esterilizações e trabalhos forçados.

A China considerou sempre essas denúncias como tendenciosas, explicando que os tais campos não são mais do que “centros de formação profissional” destinados a desenvolver o emprego e erradicar o extremismo em Xinjiang, há muito atingida por ataques atribuídos a separatistas e islamistas uigures.

No entanto, segundo a AP, antigos detidos descreveram esses locais como centros de detenção brutais.

Pequim fechou muitos desses campos, mas diversas fontes afirmam que centenas de milhares de pessoas continuam presas sob acusações vagas ou até desconhecidas.

Alguns países, incluindo os Estados Unidos, acusaram Pequim cometer genocídio em Xinjiang. No relatório, que resulta de entrevistas conduzidas pelo ACNUDH e de informação recolhida directamente ou em segunda mão, o ACNUDH não utiliza o termo genocídio.

Num comunicado divulgado na quarta-feira, Bachelet lamentou que a pressão de certos Estados-membros da ONU tenha tornado difícil a produção do relatório. “Eu disse que publicaria o relatório antes do final do meu mandato, e fi-lo”, disse a ex-presidente do Chile, citada pela agência espanhola EFE.

“Para ser honesta, a politização destas graves questões de direitos humanos por certos Estados não ajudou”, acrescentou Bachelet, sem identificar os países. A agora ex-alta comissária considerou que tais pressões “tornaram a tarefa mais difícil” e afectaram a possibilidade de o relatório poder ter um impacto real.

Bachelet acrescentou que o diálogo deve prevalecer, mas que isso “não deve significar olhar para o lado”.

A publicação do relatório foi considerada um passo histórico pelas organizações não-governamentais Human Rights Watch (HRW) e International Service for Human Rights (ISHR), que apelaram a uma maior pressão internacional sobre Pequim.

“Os governos não devem perder tempo e organizar uma investigação independente, adoptando as medidas necessárias para promover a responsabilização e dando assim aos uigures e outros grupos a justiça que merecem”, disse em comunicado o vice-diretor de advocacia global da HRW, John Fisher.

Para o director executivo do ISHR, Phil Lynch, o relatório “é o resultado de anos de pressão dos uigures e de grupos internacionais de direitos humanos, face a esforços de Pequim para esconder a verdade”.

Xinjiang é uma vasta região semidesértica e montanhosa no noroeste da China, com fronteiras com oito países da Ásia Central, mas também com a Rússia e Paquistão. A sua posição estratégica na antiga Rota da Seda fez de Xinjiang uma encruzilhada de culturas e influências.

A região tem uma população de cerca de 26 milhões de pessoas, principalmente das etnias uigur, cazaque e han, esta última, maioritária na China.

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