Um tawny inspirado no “cowboy” do Douro, John Henry Smithes

O Provador inspira-se num lote secreto criado por John Henry Smithes, o lendário provador da Cockburn’s. Foi criado com base nas suas notas de prova meticulosas.

Foto
O rótulo d'O Provador foi desenhado pelo artista João Neves, assim como um mural que está agora nas caves da Cockburn's em Gaia. Adriano Ferreira Borges

O Provador é o mais recente vinho do Porto Reserva Tawny da Cockburn’s. O enólogo Charles Symington inspirou-se num lote secreto criado por John Henry Smithes (pronuncia-se Smithis), o lendário provador da casa que hoje está no universo do grupo Symington, e conhecido como o “cowboy do Douro”.

Foi com base nas suas notas de prova meticulosas, guardadas nos arquivos da Cockburn’s, que a marca recriou um vinho do receituário original do provador e que poucos puderam provar. Andrew Langton May, responsável pela marca Cockburn’s, explica tratar-se de “um blend que foi apreciado por directores e funcionários e que foi poucas vezes partilhado para fora” da empresa. E conta como John Henry Smithes fazia “estes blends para serem apreciados nos almoços da empresa”.

Já depois de o lendário provador ter deixado a Cockburn's, nos anos 1970, “surgiu um vinho neste mesmo estilo, mas que não foi comercializado”. “Era oferecido a pessoas importantes que visitavam as caves” em Vila Nova de Gaia. Chamava-se “Cockburn's PXD” e havia quem dissesse que a sigla significava “Pale eXtra Dry” e quem achasse que não, que deveria quer dizer “Para Xenhores Directores”, conta Andrew Langton May.

Essa primeira experiência de replicar o estilo do Tawny que o “cowboy do Douro” servia a convidados especiais e parceiros de negocio foi “produzida e engarrafada até 1990”.

Este Reserva Tawny, lançado no início do Verão e com um PVP de 16 euros, veio preencher “uma lacuna” no portefólio da Cockburn's. “Não tínhamos um Reserva Tawny. Já tínhamos esta necessidade identificada. E é sempre melhor basear em algo que já existiu ou tem alguma história na empresa”, refere a mesma fonte.

“Estas pistas e as notas de prova dos vinhos originais permitiram-nos fazer este vinho”, sublinha. Que a Cockburn's sabia ser, na versão original, “um vinho encorpado para um Reserva Tawny, cheio de fruta vibrante e algumas notas de idade”. “Pelo que pudemos perceber, era muito mais frutado que muitos Reservas [então] no mercado”.

Foto
John Henry Smithes ficou conhecido como o "cowboy do Douro" por causa do chapéu, da badana e da indumentária descontraída que nunca largava. DR

A nota de prova deste Provador de 2022 dá conta de aromas e sabores elegantes e equilibrados, com notas de “marmelo, bolo inglês, nozes e outros frutos secos” e uma “sensação de frescura de frutos vermelhos” sempre “em pano de fundo”. “Sedoso”, com “complexidade” e “um certo vigor remanescente da juventude”, resulta de um lote de vinhos de qualidade elevada, maioritariamente provenientes da Quinta dos Canais e envelhecidos em balseiros para quatro anos e cascos de carvalho por mais dois. Está “pronto a consumir” e vai bem “como aperitivo” ou como parceiro de “tarte de maçã, creme queimado e gelados”.

O rótulo foi desenhado pelo artista João Neves (a encomenda era de “um tributo ao John, ao Douro e ao Porto"), assim como um mural que está nas caves da Cockburn's em Gaia. Foi pintado para o evento de lançamento deste vinho com história e deita mão ao mesmo humor que vemos na garrafa. Em linha com o ADN bem-disposto da Cockburn's, que nos anos 1970 brincava em anúncios de televisão com a pronúncia do nome da marca. Em princípio, perdurará. “Este tipo de humor, o John apreciaria. Era uma pessoa irreverente”.

O cowboy que preferia o Douro a Londres

Essa irreverência casava melhor com o Porto e o Douro do que com Londres. E em 1938 John Henry Smithes juntou-se ao pai em Portugal. O “cowboy” — que ficou assim conhecido por causa do chapéu, da badana e da indumentária descontraída em geral — era a terceira geração de Smithes a trabalhar na empresa, numa “altura em que os nomes dos directores apareciam no nome da empresa”, conta Andrew Langton May. No Douro, os viticultores mais antigos ainda se referirão à Cockburn's, diz, como Casa Smithes.

Com o rebentar da Segunda Guerra Mundial, John Henry e a esposa Nancy regressaram a Inglaterra e juntaram-se à Royal Air Force (Força Aérea Britânica).

O tal lote secreto saído dos dotes de provador de John Henry era servido nas caves, em Gaia, mas também na Quinta dos Canais e noutras quintas. “Desde 1850 que comprávamos lá vinho. E o Smithes conhecia muito bem o Douro e todos os viticultores. E visitava-os nas vindimas para ver se estava tudo OK na colheita mas também para provar o vinho”, partilha o responsável para Cockburn's.

O provador construiu o estilo de vinhos da Cockburn's e será sempre associado ao Fine Ruby e ao Special Reserve, que é hoje em dia “o vinho mais importante da marca”. O senhor Smithes ficou igualmente conhecido por cuspir vinho, no contexto das provas, de forma artística. Isso era de tal forma característico (John Henry era desdentado, o que ajuda a explicar a proeza de cuspir à distância) que o New York Times o refere no obituário que lhe dedicou em Janeiro de 1999.

Foto
Um desenho num livro de visitas da Cockburn's que brinca com a habilidade que John Henry Smithes tinha para cuspir vinho à distância. DR

Andrew Langton May também refere as experiências que fez no pós-guerra na sua quinta no Douro, a Quinta do Tua, com Touriga Nacional, “numa altura em que a Touriga Nacional não era bem-vista pelos lavradores do Douro”. “Ele fazia plantações de uma só casta. E criou muitos clones de Touriga Nacional, que nós achamos que ajudaram no estabelecimento da Touriga Nacional como casta número um do Dour”.

Smithes faleceu a0s 88 anos, em Inglaterra, onde construíra uma mini-quinta em Devon, a lembrar o seu Douro, 29 anos depois de se reformar como director da Cockburn's.


Artigo alterado às 16h49 de 13 de Setembro de 2022 para corrigir a parte de enologia (erradamente atribuída a João Pedro Ramalho).

Sugerir correcção
Comentar