Não ficará nenhuma mulher para trás

No Afeganistão, as mulheres que não trabalhem na área da saúde ou no gabinete de emissão de passaportes não podem trabalhar e têm de ficar em casa. As raparigas afegãs não podem praticar desporto, porque, segundo o porta-voz dos taliban, o papel das mulheres é “dar à luz”.

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Protesto de mulheres afegãs Reuters/STRINGER

Sensivelmente há um ano, durante o jantar que antecedeu a apresentação da candidatura da lista que eu integrava às autárquicas, passava uma notícia que dizia que o Afeganistão tinha sido dominado pelos taliban e que as mulheres iriam começar a perder os direitos. Recordo-me das caras de indignação e de tristeza que cada pessoa que estava naquela mesa fez quando se deu conta da notícia que passava de fundo e que ao início tinha sido abafada pela nossa conversa e risos. Os risos deram lugar a caras sérias, a conversa que estávamos a ter deu lugar a diversos comentários sobre a notícia. Sendo sincera não me recordo o que cada um disse, apenas fixei que todos, sem excepção, ficaram revoltados, eu inclusive.

Mas a nossa vida continuou normalmente, como se nada tivesse acontecido. Nos dias seguintes ouvimos e lemos diversas notícias sobre o ocorrido, a Comunicação Social, e muito bem, deu especial foco ao que se estava a passar no Afeganistão, mas depois, com o passar dos dias, a atenção foi desviada para outros assuntos e a situação do Afeganistão começou a não ter a devida atenção.

Ontem, estava no Facebook e nas memórias de há um ano apareceu uma notícia que tinha partilhado sobre o domínio do Afeganistão por parte dos taliban. Parei por uns minutos e pensei que há muito tempo que não pensava, nem lia notícias sobre as atrocidades que tinham ocorrido e estavam a ocorrer no Afeganistão.

Dia 26 de Agosto assinala-se o Dia Internacional da Igualdade Feminina. Foi uma data criada para destacar avanços importantes na história relativos aos direitos das mulheres. Nós que, apesar de todos os desafios que enfrentamos, temos conseguido conquistar direitos e fazer da Europa um lugar melhor para se viver, independentemente do género, da crença religiosa, da etnia, da opção política ou da orientação sexual. Mas tendemo-nos a esquecer das realidades que não fazem parte da nossa: veja-se o caso do Afeganistão e do retrocesso em termos de direitos das mulheres.

No Afeganistão, as mulheres que não trabalhem na área da saúde ou no gabinete de emissão de passaportes não podem trabalhar e têm de ficar em casa. As raparigas afegãs não podem praticar desporto, porque, segundo o porta-voz dos taliban, o papel das mulheres é “dar à luz”. As meninas acima do 6.º ano de ensino não podem frequentar mais a escola, dando os seus estudos por terminados. As mulheres não podem viajar mais de 72 quilómetros desacompanhas, podendo só ser acompanhadas pelo seu marido ou mahram (um homem da família com que não poderia casar, um pai, um avô ou um irmão).

As mulheres estão proibidas de visitar centros de saúde sem um mahram, se não forem acompanhadas é-lhes negado o atendimento, podendo ser espancadas por tentarem aceder a cuidados de saúde desacompanhadas. Foi emitido um decreto para que as apresentadoras de televisão cubram o rosto enquanto estão no ar. Os taliban reuniram três mil estudiosos da religião para discutir a situação no Afeganistão, contudo nenhuma mulher participou nos trabalhos.

Enquanto houver situações semelhantes ao que referi nunca iremos conseguir ter a igualdade de direitos pela qual lutamos. Não adianta conseguirmos alcançar direitos para as mulheres que vivem na Europa se nos esquecemos das outras mulheres - apesar da diferença de realidades nenhuma mulher pode ficar para trás, independentemente da sua zona geográfica. E se tanto já conseguimos alcançar na Europa, mas ainda há vezes que vemos os nossos direitos serem violados, imaginem o que seria viver no Afeganistão neste momento.

Temos de continuar a lutar para que não haja discriminação de género, para que as mulheres possam ter uma vida profissional se assim o desejarem, para que as mulheres e os homens que trabalham no mesmo cargo recebam o mesmo, para que as mulheres possam intervir activamente na vida política, para que as mulheres tenham uma voz e que tenham os seus direitos salvaguardados e que possam decidir por si, sem precisar que terceiros ditem o seu destino. Mas, com a nossa luta, também não podemos esquecer aquelas mulheres que vivem oprimidas, que viram os seus direitos serem violados, que viram a liberdade escapar-lhes por entre os dedos, não podemos esquecer aquelas que nos são semelhantes, porque podíamos ser nós naquela situação.

Espero que cada mulher aproveite o Dia Internacional da Igualdade Feminina para reflectir sobre o que até agora foi alcançado, mas também espero que cada uma de nós pense e se sensibilize com o que as mulheres afegãs estão a viver. Só teremos os mesmos direitos que os homens quando não houver nenhuma mulher discriminada por ter nascido mulher.

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