Bons Sinais

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A festiva inauguração da restaurada catedral de Quelimane, em Moçambique, há poucos dias – coincidindo com a celebração do 80.º aniversário da elevação da capital da Zambézia a cidade –, merece ser assinalada e celebrada, por um conjunto de relevantes motivos.

Em primeiro lugar, trata-se da recuperação de um importante monumento do património arquitetónico moçambicano, edificado no século XVIII e classificado, ainda no tempo colonial, como “imóvel de interesse público”. Tendo deixado há décadas de servir a sua missão religiosa, o edifício, situado em plena avenida marginal, à beira do Rio dos Bons Sinais, entrou em processo de progressiva degradação, estando em 2016, quando o visitámos, na iminência da ruína total. O restauro agora inaugurado salvou do desaparecimento uma peça preciosa da herança cultural luso-moçambicana, o que seria uma imperdoável perda.

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A Catedral de Quelimane antes do restauro DR

Em segundo lugar, tratou-se de obra lançada e sustentada por iniciativa da sociedade civil, nomeadamente de uma associação de naturais de Quelimane constituída propositadamente com esse propósito – a Associação dos Bons Sinais –, que conseguiu reunir os necessários apoios financeiros de vários países (além da quotização dos próprios membros e amigos), bem como o contributo de várias de empresas e profissionais, sem esquecer a indispensável mobilização do apoio da diocese de Quelimane (proprietária do edifício) e do município de Quelimane (que naturalmente vai ter uma responsabilidade especial na sua gestão cultural). No final, quando já só faltava o revestimento do chão, foram muitos os que, numa espécie de processo de crowdfunding, contribuíram com apenas um ou vários mosaicos, de acordo com as suas disponibilidades. Quando as causas são mobilizadoras e o Estado falha, o civismo empenhado pode fazer “milagres”, como este.

Em terceiro lugar, tratando-se embora de um monumento que evoca a história católica da cidade, a Associação promotora do seu restauro compreende uma assinalável pluralidade religiosa (católicos, muçulmanos, hindus, não crentes), num exemplar exercício de ecumenismo religioso, que, aliás, espelha o pluralismo e o convívio religioso, que têm sido característica de Moçambique, em geral, e de Quelimane, em particular. Um episódio exemplar, num mundo em que a radicalização religiosa grassa em muitos países, pondo em causa o convívio e, mesmo, a paz civil.

Por último, esta iniciativa bem-sucedida é desde a sua origem caracteristicamente moçambicano-portuguesa, quer quanto ao núcleo promotor – formado predominantemente por naturais de Quelimane, hoje cidadãos de ambos os países –, quer quanto aos que, a diversos títulos, cooperaram na sua realização. Passado quase meio século sobre a independência de Moçambique e quando os traumas do colonialismo ainda não estão inteiramente superados, é gratificante verificar como um legado do passado pode juntar, frutuosa e desinteressadamente, cidadãos moçambicanos e portugueses, em prol do futuro do país.

Eis porque este evento e o processo que lhe deu origem merecem ser destacados como relevantes bons sinais.

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