As melhores fotografias de natureza entrelaçam a vida e a morte

Fotografias que retratam os efeitos das alterações climáticas, a predação ou a ciência feita durante a pandemia são algumas das imagens premiadas na Competição de Imagem da revista BMC Ecology and Evolution.

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O primeiro prémio foi atribuído à fotografia de um fungo parasita que cresceu a partir do corpo de uma mosca, numa selva no Peru Roberto García-Roa

A imagem pode impressionar: de uma mosca ressequida projectam-se seis estruturas de um fungo parasita que, tempos antes, infectou e comandou o comportamento daquele insecto. Mas o momento captado por Roberto García-Roa, um biólogo evolucionista da Universidade de Valência, é simplesmente o testemunho da capacidade superlativa da vida em criar interacções e possibilidades (mesmo que elas nos arrepiem). Pela sua fotografia, Roberto García-Roa venceu a 2ª edição da Competição de Imagem da revista BMC Ecology and Evolution, anunciado nesta sexta-feira.

“A imagem mostra uma conquista forjada durante milhares de anos de evolução”, explica o biólogo, que é também fotógrafo de conservação da natureza, e recebe agora um prémio no valor de 800 euros. “Os esporos dos conhecidos fungos ‘zombie’ infiltraram-se no exosqueleto e na mente da mosca e forçaram-na a migrar para um local que é mais favorável para o crescimento do fungo. Os corpos de frutificação emergiram do corpo da mosca e [os esporos] serão ejectados para infectarem mais vítimas”, refere, citado num comunicado.

O fenómeno foi captado na selva de Tambopata, no Peru, e acaba por ser um retrato entrelaçado da vida e da morte. “A imagem surpreendente de Roberto García-Roa é como algo vindo da ficção científica. Ilustra a vida e a morte, em simultâneo, em que a morte da mosca dá vida ao fungo”, explica Christy Anna Hipsley, que faz parte do conselho editorial da revista científica e que também avaliou a escolheu as fotografias vencedoras.

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Um fungo parasita cresceu a partir do corpo de uma mosca na selva peruana de Tambopata Roberto García-Roa

Este é o segundo ano do novo prémio da Competição de Imagem da BMC Ecology and Evolution. A revista, que pertence à BioMed Central – uma​ editora de publicações científicas de acesso livre do Reino Unido, é uma fusão das antigas revistas BMC Ecology e BMC Ecology and Evolution. Nos anos anteriores, este prémio de fotografia era da responsabilidade da revista BMC Ecology. Além do vencedor do concurso, a competição conta com quatro categorias: Biodiversidade sob Ameaça; Relações na Natureza; A Vida de Perto; e a Investigação em Acção. Há um vencedor por cada categoria, que receberá 200 euros, e um segundo classificado que receberá 50 euros.

“Avaliar tantas imagens excelentes submetidas para a competição deste ano foi uma experiência maravilhosa e desafiadora”, disse Jennifer Harman, que fez parte do conselho editorial que escolheu as fotografias. As imagens vencedoras “foram escolhidas tanto pelas histórias científicas que estão por trás como pela qualidade técnica e beleza das fotografias”.

Um embondeiro ferido

A preto e branco, a fotografia vencedora da categoria Biodiversidade sob Ameaça revela também interacções de vida e de morte, mesmo que não sejam evidentes. Na imagem, dois elefantes-africanos adultos e um elefante bebé estão parados à sombra de um embondeiro. O momento, captado no Parque Nacional Mapungubwe, na África do Sul, parece plácido. Mas Samantha Kreling, a bióloga autora da imagem, está preocupada com a árvore, que tem a casca rasgada pelos elefantes.

Os embondeiros podem viver mais de 2000 anos, tornando-se árvores milenares. Como vivem em climas muito secos, armazenam água nos seus troncos gordos em temporadas com escassez de chuva. Muitas vezes, os elefantes raspam as cascas das árvores para retirarem a água. Em situações normais este impacto é limitado, já que os embondeiros são capazes de se curar rapidamente destes arranhões. Mas os tempos normais estão a ficar para trás.

“Este dano é maior do que os embondeiros aguentam quando as temperaturas sobem devido às alterações climáticas”, explica Samantha Kreling, que nos tempos livres é fotógrafa da vida selvagem. Ou seja, a relação entre os elefantes e os embondeiros, que até agora fazia parte de uma dinâmica normal entre as duas espécies, passou a ser potencialmente mortal para as árvores devido à mudança do clima. “Esta fotografia sublinha a necessidade de prevenirmos a perda permanente destas árvores icónicas”, defende a autora.

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Elefantes à sombra de um embondeiro no Parque Nacional Mapungubwe da África do Sul Samantha Kreling

Estações trocadas

A fotografia que ficou em segundo lugar na categoria Biodiversidade sob Ameaça põe também o foco numa espécie cuja ecologia está a sofrer interferências por causa das alterações climáticas. Lindsey Swierk, bióloga especialista em ecologia da Universidade de Binghamton, em Nova Iorque, fotografou uma rã-da-floresta (Rana sylvatica) macho agarrada a uma massa de ovos. Este anfíbio vive no Norte e no Nordeste da América do Norte e reproduz-se em charcos vernais (que são temporários) durante a Primavera, após os gelos do Inverno derreterem.

Recentemente, devido às alterações climáticas, a Primavera costuma iniciar-se mais cedo e a reprodução da rã-da-floresta acaba por também ocorrer mais cedo. No entanto, estas mudanças climáticas não são lineares e deixam as estações mais incertas, com perigos para espécies como este anfíbio. “Infelizmente, as tempestades de Inverno podem por vezes apanhar estas rãs desprevenidas e prenderem-nas debaixo do gelo”, relata a bióloga. “Na fotografia, uma rã-da-floresta macho agarra-se a uma massa de ovos que foi posta antes de haver um [novo] congelamento. Tanto a massa de ovos como a rã ficaram presas debaixo do gelo. A rã sobreviveu, mas muitos dos ovos não.”

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Uma rã-da-floresta agarrada a uma massa de ovos Lindsey Swierk

Em busca de bagas

Uma fotografia de um picoteiro-comum (Bombycilla garrulus) com o bico a segurar uma sorva (o fruto da sorveira – Sorbus domestica) foi a vencedora na categoria Relações na Natureza. “O picoteiro-comum tem uma relação forte com a sorveira por causa das bagas que produz”, refere Alwin Hardenbol, autor da fotografia e investigador da Universidade do Leste da Finlândia, que conhece bem a ecologia desta ave. “Esta interacção frugívoro-planta é tão forte que esta espécie migra de acordo com a presença da sorva. Nos anos em que existem muitas sorvas na Finlândia, onde obtive esta fotografia, os picoteiros-comuns mal migram. No entanto, nos outros anos eles podem viajar em grandes números para a Europa Central, do Leste e Ocidental até encontrarem as suas amadas bagas.”

O picoteiro-comum é capaz de comer centenas de bagas por dia. Ao amadurecerem muito, as sorvas começam a entrar num processo de fermentação. Isso não afasta as aves, que desenvolveram um fígado maior para conseguirem processar o álcool que ingerem através das bagas. “Esta fotografia evoca uma resposta imediata do observador ao comunicar claramente a acção, a reacção e a interacção”, defende por sua vez Luke Jacobus, do conselho editorial da revista. “As cores contrastantes e a composição obtida com cuidado captam um momento fugaz em que o picoteiro-comum parece estar a responder ao observador.”

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Um picoteiro-comum com uma baga da árvore sorveira ALWIN HARDENBOL

Morcego esfomeado

Em segundo lugar na categoria Relações na Natureza ficou a fotografia de um morcego da América do Sul a devorar uma rã, revelando a relação entre predador e presa. “Esta imagem ilustra como a selecção natural e a sexual podem estar em conflito entre si”, explica Alexander T. Baugh, um biólogo comportamental do Swarthmore College, na Pensilvânia (Estados Unidos). “Uma rã macho da espécie Physalaemus pustulosus tornou-se uma refeição apetitosa para o esfomeado morcego Trachops cirrhosis que a detectou e a localizou ao ouvir as suas vocalizações de acasalamento.”

Esta espécie de morcego tem o ouvido adaptado para detectar as vocalizações da rã e glândulas salivares, que neutralizam as toxinas libertadas pela pele do anfíbio. Por isso, sempre que a rã inicia as vocalizações de acasalamento põe a sua vida em risco.

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Morcego da espécie Trachops cirrhosis captura a rã da espécie Physalaumus pustulosus Alexander T. Baugh

Girinos em desenvolvimento

Quem se detiver nos pormenores da fotografia de Brandon André Güell, vencedor da categoria A Vida de Perto, poderá observar embriões da espécie de rã Agalychnis spurrelli em desenvolvimento dentro dos ovos. É possível observar os olhos e as brânquias externas do embrião, no meio do saco vitelino de cor verde.

“Os ovos nesta imagem estão entre o conjunto de ovos postos por milhares de rãs, durante um fenómeno de reprodução explosiva desencadeado por chuvas torrenciais”, diz o biólogo, referindo-se a algo que acontece numa floresta tropical na Península de Osa, na Costa Rica. “Se não forem perturbados, estes ovos eclodem após seis dias de desenvolvimento, no entanto, os embriões podem eclodir antes para escaparem de ameaças como predadores e inundações”, refere o estudante de doutoramento da Universidade de Boston, nos Estados Unidos.

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Ovos com embriões da espécie de rã Agalychnis spurrelli Brandon André Güell

Pendurado por uma bolha de ar

Uma fotografia de um lagarto aquático da espécie Anolis aquaticus com uma bolha de ar colada ao focinho ficou em segundo lugar na categoria A Vida de Perto. A imagem foi também captada por Lindsey Swierk e revela uma adaptação deste réptil quando está na água. Estes pequenos lagartos “escapam para a água quando são ameaçados por predadores: Podem passar quase 20 minutos debaixo de água, inspirando e expirando uma bolha de ar que se agarra ao seu focinho”, explica a investigadora. “Ao longo do mergulho, o oxigénio na bolha de ar esgota-se, o que provavelmente foi mantendo os lagartos dentro de água durante tanto tempo.”

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Lagarto com bolha de ar colada ao focinho que o ajuda a respirar dentro de água Lindsey Swierk

Ciência durante a pandemia

A fotografia vencedora na categoria Investigação em Acção é mais um produto da era da covid-19. Nela, dois estudantes de doutoramento, protegidos com botas e capas contra a chuva, e com máscaras para evitar a transmissão do vírus, trabalham à beira de um lago, no meio da noite. “Os investigadores desta fotografia representam muitos outros que continuaram a trabalhar durante a pandemia da covid-19”, explica Jeferson Ribeiro Amaral, biólogo da Universidade de Cornewell, nos Estados Unidos, que quando tirou a fotografia era técnico para o Laboratório de Ecologia de Rios & Córregos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, no Brasil.

Os dois doutorandos estavam a investigar se as árvores espalhadas por uma região agrícola, ao ajudarem a aumentar o número de rãs, teriam um efeito positivo na reciclagem de nutrientes dentro dos lagos e ajudariam a reduzir os impactos antropogénicos da agricultura na região. “A fotografia demonstra a sua força e dedicação para compreenderem o nosso mundo enquanto fazem o seu trabalho, apesar da existência de tempestades e de uma pandemia global”, constata Jeferson Ribeiro Amaral.

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Dois investigadores trabalham no campo, com capas, botas e máscaras, durante a pandemia da covid-19 Jeferson Ribeiro Amaral

Uma rã na mão

Brandon André Güell, que fotografou os ovos da rã da espécie Agalychnis spurrelli, aparece também na imagem – olhando para uma rã que tem na mão – que ficou em segundo lugar na categoria Investigação em Acção. Na folhagem à sua volta estão dezenas de indivíduos daquela espécie. “Esta fotografia capta uma memória preciosa do primeiro fenómeno de reprodução explosiva que observei, fotografei e em que recolhi informação para a minha dissertação”, explica o biólogo que submeteu a imagem a concurso, obtida durante os trabalhos que fez num lago da floresta tropical na Península de Osa, na Costa Rica.

Aquela espécie de anfíbio “tem um interesse pessoal especial devido à sua estratégia de reprodução explosiva nas árvores, que está pouco estudada, e aos diferentes comportamentos que podem afectar o sucesso da reprodução dos adultos”, acrescenta o biólogo.

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Brandon A. Güell observa uma rã que tem na mão da espécie Agalychnis spurrelli numa floresta tropical na Costa Rica Brandon A. Güell

Ovo iluminado

O júri escolheu ainda três fotografias que muito louva: na primeira, observam-se fungos fluorescentes da floresta tropical de Bornéu, no Sudeste asiático; a segunda fotografia revela vários pedaços de plástico no estômago de uma ave marinha; e na terceira fotografia, um ovo de uma espécie de petrel é iluminado por uma lanterna colocada pelos investigadores que monitorizam aquela ave marinha.

Cogumelos bioluminescentes da floresta tropical de Bornéu Julian Schrader
Pedaços de plástico encontrados no estômago de uma ave marinha Marine Cusa
Ovo de uma ave marinha no meio de folhas iluminado por uma lanterna Letizia Campioni
Fotogaleria
Cogumelos bioluminescentes da floresta tropical de Bornéu Julian Schrader