Brasil: campanha de embate e não de debate
Nas próximas semanas vamos assistir a uma escalada incessante da guerra de rejeições, movida por ódio, ressentimento e intransigência. Resta saber quão esgaçado estará o tecido social depois das eleições.
A um mês e meio das eleições no Brasil, começa agora a campanha oficial. Depois de um período em que a vantagem de Lula parecia apontar para uma vitória inédita do PT à primeira volta, tal possibilidade começa a desvanecer-se à medida que Bolsonaro recupera competitividade. E, apesar de um volte-face eleitoral parecer improvável, o futuro nem por isso é menos imprevisível. Uma coisa é certa: nas próximas semanas vamos assistir a uma escalada incessante da guerra de rejeições, movida por ódio, ressentimento e intransigência. Com um país profundamente dividido, resta saber quão esgaçado estará o tecido social depois das eleições.
Bolsonaro chega à campanha oficial com uma dinâmica favorável. As recentes medidas económicas têm-no ajudado a recuperar eleitorado perdido durante a pandemia (com o apoio imprescindível da primeira-dama), nomeadamente em duas faixas estratégicas de votantes: mulheres e evangélicos. Tais medidas contribuíram também para se aproximar da população de baixa renda (com o aumento do Auxílio Brasil) e de alguns sectores da classe média (incentivada pela diminuição do preço da gasolina).
A percepção, de partes do eleitorado, de que o presidente está a encontrar soluções para os problemas do país, aliada a uma expectativa de melhoria das condições de vida, começa a produzir o efeito pretendido: aumentam a sua taxa de aprovação, diminuem a rejeição do governo e encurtam a distância para Lula. Estes valores têm-se consolidado, mas mantêm-se em níveis que continuam a comprometer a reeleição. Acresce que Bolsonaro não conta o tempo por aliado. A consolidação das percepções não é imediata: outras medidas do género levaram cerca de dois meses a traduzir-se numa avaliação positiva, e as eleições são já em Outubro.
Por sua vez, mesmo com a vantagem a reduzir-se, Lula mantém-se na frente da corrida eleitoral. A estratégia de alianças partidárias, sintetizada na escolha do seu vice-presidente, permitiu-lhe desbalcanizar a candidatura e ampliar a base de apoio, bem como quebrar resistências antipêtistas e diminuir os níveis de rejeição. A “tiktokização” da sua comunicação eleitoral, que inclui o envolvimento de protagonistas da indústria do entretenimento (actores, músicos, influencers), tem, igualmente, contribuído para desdiabolizar a memória do eleitorado adulto menos ideológico e, de modo informal e divertido, conectar-se com o eleitorado mais jovem.
Com a disputa tão acirrada, a campanha que agora sai para a rua move-se num terreno profundamente dividido e imbuído de emoções negativas. Estudos recentes indicam que mais de 80% dos brasileiros reprovam totalmente o casamento dos filhos com quem, em termos políticos, pense de modo diferente deles. Cada parte personifica visões do mundo incompatíveis e com vontade de aniquilar o outro lado – que em tempos era salutarmente visto como adversário, sendo agora percepcionado como inimigo. Esta radicalização entre lulistas e bolsonaristas mostra bem o nível de polarização afectiva em que se encontra a sociedade brasileira – uma polarização de que Lula e Bolsonaro são causa e, simultaneamente, consequência.
O clima de agressão, potenciado pelos apoiantes mais radicais e mobilizados pelo ódio, promove uma guerra sem fim: uma campanha de embate e não de debate. A batalha de rejeições, que há muito ocorre nas redes sociais, chegou agora aos tribunais e está à solta nas ruas. Com a animosidade a intensificar-se, a violência é hoje bidimensional, digital e física, e ambas se reforçam. Atentemos, para já, no que nos reserva o “7 de Setembro”.