Mulheres voltam a protestar nas ruas de Cabul enquanto jornalismo “sangra até à morte”

Dezenas de mulheres saíram às ruas de Cabul este sábado naquele que foi o maior protesto dos últimos meses no país. Foram dispersadas por guardas taliban que dispararam para o ar, mas não recorreram à força.

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A burqa voltou a ser uma constante nas ruas da capital afegã STRINGER/EPA

Cerca de 40 mulheres marcharam pela capital do Afeganistão exigindo a recuperação dos seus direitos fundamentais, um ano depois de os taliban terem tomado o poder no país. Foram barradas e obrigadas a dispersar por guardas taliban que não recorreram à força, segundo fontes locais citadas pela BBC.

“Começaram por apreender os nossos telemóveis”, revelou uma das mulheres que participou neste que foi um dos primeiros protestos femininos em meses. “Não nos bateram muito desta vez. Agiram de forma diferente e não nos espancaram. Dispararam apenas tiros para o ar.”

“Continuamos a ter medo, mas, ainda assim, temos de sair para defender os direitos das mulheres e das raparigas. Queremos garantir que, pelo menos, as escolas são abertas”, disse a manifestante.

O grupo gritava palavras de ordem como “pão, trabalho e liberdade”, carregando uma faixa com a frase “15 de Agosto é um dia negro” – numa referência ao dia em que os taliban capturaram Cabul, em 2021.

Ao longo deste ano que passou, várias ordens foram emitidas para restringir a liberdade das mulheres, impedindo-as de trabalhar, de frequentar o ensino secundário e de viajar a mais de 70 quilómetros sem um tutor masculino. Em Maio os militares decretaram que as mulheres teriam de voltar a utilizar obrigatoriamente o véu islâmico. Podem ser detidas três se desobedecerem.

O Afeganistão é, neste momento, o único país do mundo que, oficialmente, limita a educação por questões de género. Foi um dos pontos que mais discórdia gerou nas tentativas dos taliban de ganhar legitimidade internacional.

Jornalismo no Afeganistão “sangra até à morte”

O que também viu a sua liberdade restringida neste ano foi o jornalismo. Milhares de demissões ilegais e centenas de encerramentos de meios de comunicação marcaram o cenário jornalístico no Afeganistão. O jornalismo é uma profissão que “está a sangrar até à morte”, lamentou a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) numa avaliação a este ano de governo fundamentalista.

Quase metade dos 550 órgãos de comunicação em funcionamento no país (219) foi forçado a fechar e mais de metade dos jornalistas do país ficou sem trabalho.

Christian Mihr, director-geral da RSF, revelou, citado pela Europa Press, que actualmente há 4750 profissionais na área do jornalismo em comparação com os 11857 de 2021. Os homens representam uma proporção esmagadora destes profissionais, uma vez que três em quatro jornalistas afegãs foram forçadas a deixar o emprego.

“Tudo isto devido às inúmeras leis aprovadas pelos taliban que restringem a liberdade de imprensa e que incentivam a perseguição dos media e dos jornalistas”, concluiu Mihr.

Destacou também um decreto promulgado a 22 de Julho pelos líderes taliban que proíbe “difamar e criticar funcionários do governo sem provas”, “divulgar notícias falsas ou boatos” ou “caluniar funcionários do governo”, podendo os jornalistas ser acusados de “colaborar com o inimigo e estar sujeito a punições graves”.

A seu ver, esta é uma regulação não fundamentada que permite operações contra os media praticamente sem quaisquer restrições.

Neste momento, o Afeganistão ocupa o 156.º lugar entre os 180 países que compõem o índice de Liberdade de Imprensa.

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