Em Portugal, quase ninguém é lobista porque o lobbying não existe

Não é sujo se não acontecer às escondidas. Sem qualquer transparência, abre-se a porta a desconfianças sobre a tentativa de influenciar o processo legislativo, uma actividade que seria à partida demonstrativa de uma democracia saudável.

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Parlamento Daniel Rocha

Sempre que digo que sou lobista em Bruxelas, vejo as sobrancelhas a soerguerem-se. Em Portugal, quase ninguém é lobista. Em português, lobbying ainda soa a demasiado a uma espécie de gateway drug para corromper alguém.

Segundo um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre o tema, é incontornável o vazio legal que existe no que toca à forma como os “grupos de interesse” interagem com os decisores políticos. Isto dificulta em muito o escrutínio das relações entre organizações e deputados à Assembleia de República e membros do Governo. Se não é fácil perceber com quem os políticos e decisores se reúnem e qual o teor das suas discussões, é difícil avaliar o quão esse político é influenciado por uma certa empresa, associação, profissão, sindicato ou indivíduo.

É igualmente difícil perceber e avaliar preferências de políticos individualmente ou dos seus partidos em ouvir mais esta ou aquela parte em relação aos variados assuntos sobre os quais legislam. Se dotados de um nível apropriado de transparência, o Governo, o Estado e o Parlamento tornam-se mais acessíveis e compreensíveis a todos.

O lobbying — ou, suavizando, a advocacy — não é sujo se não acontecer às escondidas. Sem qualquer transparência, abre-se a porta a desconfianças sobre a tentativa de influenciar o processo legislativo, uma actividade que seria à partida demonstrativa de uma democracia saudável. E é exactamente aqui que reside a suspeita dos meus compatriotas o que leva os políticos a não conseguirem chegar a acordo sobre este assunto, será que têm algo a esconder? Certamente, é a resposta que surge fruto da crónica desconfiança da classe política em Portugal.

Nos últimos anos, surgiu em Portugal a discussão sobre a necessidade de legislar o lobbying, mas possíveis projectos lei com pernas para andar parecem permanecer distantes, seja por falta de apoio ou concordância parlamentar, seja por veto político presidencial ironicamente fundamentado pela lacuna na aplicabilidade do diploma à presidência. Curiosamente, foi durante a presidência portuguesa do Conselho Europeu em 2021 que foi assinado o Acordo Interinstitucional que reafirma e reforça o papel do Transparency Register, uma base de dados de grupos de interesse que fazem lobbying junto das instituições europeias, na qual se registam as interacções entre decisores políticos e os representantes desses grupos.

A existência destes mecanismos de transparência permite que o lobbying seja uma forte actividade económica em Bruxelas que se desenvolve em equipas multidisciplinares e que diariamente se dedicam a participar directa e indirectamente na elaboração de legislação europeia.

Em suma, se a um político for dada a opção de reunir apenas com as partes interessadas que lhe são mais concordantes e não ouvir de todo o que as demais partes têm a dizer sobre um certo assunto, se esta opção não puder ser desafiada por ser desconhecida, quem perde é o país. Perde porque a legislação é feita pelos partidos obedecendo à sua ideologia e consoante o seu poder parlamentar, perde porque se abre a porta a influências opacas e conflitos de interesses impossíveis de escrutinar. Perde porque não se pode dizer que é lobista como quem é outra coisa qualquer.

Enquanto isso, vão existindo os “relações públicas” e “assuntos governamentais” que todos se vão interrogando sobre o que realmente fazem... Sim, também é lobbying. Entretanto, vou sendo lobista lá fora que em Portugal ninguém é lobista.

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