O Árctico aqueceu quatro vezes mais depressa do que o resto do planeta nos últimos 40 anos

Estudo finlandês avalia o real impacto do fenómeno denominado “amplificação do Árctico”. Nos arquipélagos de Svalbard e Novaya Zemlya é onde o aquecimento terá sido maior, ao ritmo de 1,25 graus Celsius por década.

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Svalbard: neste arquipélago norueguês, o aquecimento terá chegado a 1,25 graus Celsius por década Hannah McKay/REUTERS

Nas últimas quatro décadas, o Árctico aqueceu até quatro vezes mais depressa do que a média global, o que é mais rápido do que se pensava até agora, com as zonas mais quentes na região do arquipélago russo de Novaya Zemlya e Svalbard (outro arquipélago, desta vez norueguês), diz um artigo publicado online nesta quinta-feira na revista Communications Earth & Environment.

Sabe-se que nas últimas décadas o aquecimento global se tem feito sentir de forma mais intensa no Árctico – é um fenómeno denominado como “amplificação do Árctico”. Alguns estudos dizem que o aquecimento é duas vezes mais rápido, ou até três vezes mais – mas não há muito consenso.

Esta falta de consenso pode ter que ver com a forma como se define a área do Árctico – podendo incluir regiões fora do Círculo Polar Árctico, onde as perdas de gelo não se verificam da mesma forma que no oceano Árctico, diz uma equipa de investigadores finlandeses que fez os novos cálculos. Pode ainda ter que ver com a duração do período durante o qual é calculada a taxa de aquecimento.

Para o novo estudo, a área considerada foi mesmo só a do Círculo Polar Árctico e o período foram os últimos 43 anos, de 1979 a 2021. Porque foi a partir dessa data que começaram a existir observações de satélite mais pormenorizadas, dizem os cientistas. Antes disso, há pouca informação, porque não abundam estações meteorológicas no Árctico, explicou ao PÚBLICO Mika Rantanen, do Instituto Meteorológico Finlandês e o primeiro autor do artigo científico.

“O Árctico é quase todo oceano, e não há estações meteorológicas no oceano. Especialmente na calota polar. Foi por isso que nos focamos no período a partir de 1979, pois foi a partir daí que começaram a existir observações via satélite”, explicou, por email.

A aceleração do aquecimento é mais pronunciada na área do mar de Barents – onde ficam os arquipélagos de Svalbard, habitado permanentemente, e Novaya Zemlya, onde há bases militares russas. Aí, há zonas onde a taxa do fenómeno de amplificação do Árctico é sete vezes superior à média do resto do globo.

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Nuuk, na Gronelândia. Os cientistas estudaram o período de 1979 a 2021 Hada Ajosenpää/Instituto Meteorológico Finlandês

Isto acontecerá porque a perda de gelo tem sido maior no mar de Barents.

A perda de gelo cria um processo que se vai alimentando a si próprio, ampliando o efeito. “O aquecimento está fortemente relacionado com as reduções do gelo sobre o mar. A ausência da cobertura de gelo evita que a temperatura desça tanto quanto desceria se o oceano estivesse coberto de gelo. Isto está a provocar uma forte tendência de aquecimento nas áreas onde o gelo tem entrado em declínio mais rapidamente”, explica Rantanen.

Os cientistas finlandeses estimam que uma grande proporção do Árctico tenha aquecido 0,75 graus Celsius por década durante estes 43 anos. Mas na zona euroasiática, onde ficam os arquipélagos de Svalbard e Novaya Zemlya, o aquecimento terá sido de 1,25 graus por década, sete vezes mais rápido do que no resto do mundo. E a tendência é para acelerar, por causa da perda cada vez maior da cobertura de gelo no oceano.

Embora a diminuição da cobertura de gelo do oceano Árctico seja maior no Verão e no início do Outono, o fenómeno da amplificação do Árctico é mais forte no fim do Outono (Novembro), quando o oceano, livre de gelo, liberta calor para a atmosfera, que está mais fria, dizem os cientistas. É que no Verão a superfície do mar liberta apenas pequenas quantidades de calor, porque a atmosfera e o mar têm quase a mesma temperatura.

O estudo testa vários modelos climáticos e conclui que não fazem uma simulação adequada deste aquecimento quatro vezes mais rápido no Árctico. Ou os modelos subestimam sistematicamente o fenómeno da amplificação do Árctico ou então o aquecimento que estamos a viver é simplesmente demasiado improvável.

Os modelos climáticos

Mas quais serão os motivos mais plausíveis para que os modelos subestimem o aquecimento verificado no Árctico? “Uma razão é a variabilidade interna do sistema climático, como as variações a longo prazo no oceano e na circulação atmosférica (a chamada Oscilação do Atlântico Norte)”, responde Mika Rantanen.

“Mas também pode ser que as variações recentes no sistema climático, combinadas com o aumento das emissões de gases com efeito de estufa (e o aquecimento associado), sejam tão excepcionais que os modelos climáticos não conseguem simular a sua magnitude de forma correcta”, considerou o cientista finlandês, na resposta por email.

“Para ser franco, alguns modelos simulam uma amplificação do Árctico tão forte como a observada, portanto, nem todos a subestimam. Mas se os modelos forem considerados em grupo, é verdade que a subestimam”, precisou.

O trabalho dos cientistas finlandeses não passou propriamente por avaliar as consequências para as projecções da evolução do clima de os modelos existentes não simularem de forma adequada a amplificação do Árctico. Mas a equipa especulou um pouco sobre que efeitos essa desadequação poderá ter na nossa capacidade de traçar cenários climáticos para a região.

“Pode ter implicações para as projecções para as latitudes médias, em especial as que estejam relacionadas com sistemas meteorológicos sensíveis a diferenças na temperatura entre o Norte e o Sul, como tempestades em latitudes médias”, disse Mika Rantanen.

“Por exemplo, se a diferença de temperatura for mais pequena do que o que se projecta (devido a um aquecimento mais forte no Árctico), os corredores de tempestades podem ser mais fracos do que o que os modelos prevêem”, diz Rantanen. “Mas isto são apenas especulações. Não investigamos isto no nosso artigo”, sublinha. Ainda é necessário fazer mais investigação.

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