A única certeza do embate entre Bolsonaro e Lula
Não é preciso ser profeta para saber que – independentemente do vencedor – o Brasil sairá conflagrado das eleições de outubro. O simples exercício de olhar a realidade faz levantar angústias e preocupações. E escrever é uma forma de aliviá-las para, quem sabe, serem resolvidas por personalidades mais eminentes.
A eleição presidencial brasileira caminha para um enfrentamento frontal, sem espaço para vias alternativas ou moderadas. Lula e Bolsonaro são polos opostos de uma mesma pilha política; uma pilha velha e desgastada que corre o risco de explodir por corrosão inflamável dos materiais. Sim, o desarranjo institucional brasileiro é grave. A política está doente; a enfermidade é sistêmica; a infecção parece resistente aos antibióticos democráticos. E, assim, os dias passam, aprofundando mazelas e implodindo pontes do entendimento razoável.
Objetivamente, os partidos políticos fracassaram, sendo incapazes de ditar novos rumos. A prova é categórica. Vejam o caso decadente do esquerdismo brasileiro: teve que buscar Lula como candidato porque não havia outra opção competitiva. Em tempo, já escrevi neste prestigiado periódico, que candidaturas imorais não gozariam de aprovação constitucional (Barrabás pode ser Presidente da República, 2/2/2022), por violação potencial ao princípio da moralidade pública (art. 37, caput, CF/88). Aqui, indaga-se, por oportuno: quanto ao ponto, haverá um Supremo Tribunal para proteger a dignidade da Constituição ou estamos a viver uma época de constitucionalismo seletivo? Entre silêncios, a legalidade definha, enquanto a impunidade reina.
No cemitério da virtude, para diminuir a resistência de certos setores empresariais, a chapa esquerdista foi buscar Geraldo Alckmin – ácido crítico do petismo no passado – como um sinal de suposta boa vontade com o mercado. Trata-se de uma espécie de hedge político; se o preço do risco disparar, há uma trava de segurança.
Acontece que a experiência bem revela que não existe nada mais ameaçador a um Presidente do que um vice capaz e com vontade de chegar ao poder. Tal ameaça fica ainda mais eloquente quando a aliança é de ocasião ou um mero arranjo forçado de circunstâncias. Não é de duvidar, inclusive, que a petição do impeachment já esteja assinada, aguardando apenas o estopim da crise.
Do outro lado, temos uma “direita” que mistura tintas de liberalismo, religião, um certo intervencionismo estatista (Petrobrás que o diga), palavras de ordem e um patriotismo renascentista naquilo que veio a se chamar de “bolsonarismo”. Assim como Lula é maior que o PT, Jair Bolsonaro é maior que o PL de Valdemar da Costa Neto. Quem lembrar do “mensalão” já deve ter ouvido alguns dos personagens. Na continuidade do enredo, elevando o olhar e mirando o futuro, a tradição personalista manterá curso na política brasileira. Isso porque, como não temos partidos autênticos, o que sobra são expoentes singulares que, por talentos distintos, sobem ao altar da política, se transformando em imagens referenciais.
Traçado o cenário eleitoral, a memória faz lembrar a personalidade superior de Raymond Aron que, ao analisar determinado corte histórico, ponderou: “Estamos mais uma vez num período de tumulto, som e fúria. Resta-nos esperar que o som e a fúria não arrastem tudo”. O fato é que Bolsonaro e Lula são duas carretas políticas pesadas, andando velozmente em sentidos contrários. A colisão soa ser inevitável. Ora, em política, esse tipo de jogo jamais encontra soma zero, pois um dos lados sai vencedor. A questão será o day after e de como o país estará após um choque tão radical.
Naturalmente, haverá vida e possibilidades no amanhã, mas também um enorme contingente de eleitores insatisfeitos e inconformados com o resultado das urnas. Logo, não é preciso ser um profeta para saber que – independentemente do vencedor – o Brasil sairá conflagrado das eleições de outubro. Eis a nossa única certeza. Para onde vamos, não se sabe. Todavia, o simples exercício de olhar a realidade faz levantar angústias e preocupações. E escrever é uma forma de aliviá-las para, quem sabe, serem resolvidas por personalidades mais eminentes.
Por tudo, na democracia, é possível vencer e perder. Apesar de doída, tantas vezes dilacerante e outras trágicas, a derrota é uma variável do jogo do poder. Pode-se e deve-se lutar pela vitória, colocar as melhores energias e ações em favor do êxito, mas ignorar a possibilidade do insucesso é como fechar os olhos e pensar que os problemas, por mágica, desaparecerão. Não vão. Estão aí à evidência de todos. E, frisa-se, não serão decretos imperiais que trarão lucidez à insanidade posta. Aos derrotados, caberá a oposição democrática. Aos vencedores, governar (se possível for). Ao povo, a responsabilidade de votar e tentar manter a fé em uma democracia errática que insiste frustrar sonhos e justas expectativas dos cidadãos.
Pobre Brasil, um grande país perdido entre políticos pequenos. Até quando os grandes líderes vão apenas olhar e nada fazer?