ENSE vai fiscalizar facturas da Endesa que aparentem “desconformidade”

Facturas da electricidade que paguem o custo do mecanismo de travão nos preços também vão ter de passar a incluir o valor do desconto proporcionado pela sua aplicação.

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O secretário de Estado da Energia, João Galamba Rui Gaudencio

O secretário de Estado da Energia, João Galamba, já definiu o procedimento através do qual deverão ser fiscalizadas as facturas da Endesa, na qualidade de fornecedora de energia eléctrica aos organismos do Estado.

Na sequência do polémico despacho publicado na semana passada pelo primeiro-ministro, António Costa, depois da controvérsia gerada pelas declarações do presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, sobre aumentos de preços provocados pela excepção ibérica, Galamba definiu um procedimento de validação de facturas que passa por duas etapas de análise antes de chegar ao seu gabinete.

O despacho do primeiro-ministro, com data de 2 Agosto, “condiciona o pagamento de facturas emitidas pela Endesa”, enquanto o despacho de Galamba, que foi publicado esta terça-feira e tem data de 4 de Agosto, “estabelece o procedimento de validação prévia” dessas facturas.

No texto explicita-se que apenas as facturas de electricidade analisadas por um gestor de contrato que desrespeitem os termos dos contratos assinados previamente (entre a Endesa e as entidades públicas), ou que ultrapassem o montante do ajustamento referente ao mecanismo ibérico de intervenção nos preços, é que devem ser reencaminhadas para a Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE).

As demais “podem ser objecto de pagamento pelas entidades pagadoras”, lê-se no despacho que já entrou em vigor e que é válido até ao fim da aplicação do travão nos preços.

O diploma nota que as entidades da administração directa e indirecta do Estado estão abrangidas por um acordo quadro para fornecimento de electricidade em mercado livre que é promovido pela Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP). Nos termos do acordo quadro, as entidades compradoras (ou seja, todos os serviços públicos) estão “obrigadas à monitorização dos respectivos contratos, através de um gestor de contrato”.

Assinala-se que ficam “validadas” e autorizadas ao pagamento “todas as facturas” que “apenas apresentem uma variação de valor decorrente da multiplicação do preço unitário [definido contratualmente] pelo consumo, real ou estimado e/ou pelo valor do custo do ajuste determinado pela ERSE, nos termos da verificação efectuada pelo respectivo gestor do contrato”.

“Nos casos em que o gestor do contrato verifique desconformidade” com os preços contratualizados previamente ou com o valor do ajustamento (isto no caso dos contratos celebrados após 26 de Abril, já que se considera que são estes os beneficiários/pagadores do mecanismo ibérico), as facturas devem ser enviadas para a ENSE, através do endereço de e-mail valida.fatura@ense.pt.

Esta entidade terá um prazo de dez dias úteis para analisar as facturas e, só “em caso de desconformidade”, é que passarão para a etapa seguinte: devem “ser submetidas a meu despacho, com indicação das respectivas irregularidades”, estabelece João Galamba.

Se a análise da ENSE não detectar irregularidades, a factura fica validada e pode ser paga. Mas se não obtiver uma “verificação favorável pelo gestor do contrato” ou se for alvo de um “despacho de não-validação”, deverá ser devolvida “ao respectivo comercializador para a devida correcção” e, além disso, remetida “à ERSE para os efeitos previstos no regime sancionatório do sector energético”.

Benefício explícito na factura

O secretário de Estado da Energia define ainda que sempre que o custo do instrumento ibérico seja reflectido na factura (isto porque as comercializadoras são livres de absorver este efeito, se o entenderem, por estratégia comercial), deverá ser explicitado também o montante do benefício, ou seja, o valor que é deduzido ao preço da energia e que teria de ser pago, caso não houvesse uma intervenção administrativa para limitar o custo do gás natural.

O mecanismo ibérico entrou em vigor a 15 de Junho para limitar o custo do gás natural usado para produção de electricidade na Península Ibérica e, com isso, fazer descer os preços de energia no mercado grossista que é comum aos dois países.

Segundo a ERSE, neste momento, o custo do mecanismo é reflectido nas facturas de 30% da procura de electricidade em Portugal. Desconhece-se o número exacto de consumidores que isso representa, mas o regulador refere que se tratam, na maioria, de contratos industriais com exposição ao mercado diário (de compra e venda de energia para o dia seguinte).

Ao contrário do que acontece em Espanha, em Portugal, o peso do consumo doméstico nesta franja de pagadores é residual (porque a maioria das famílias, mesmo as que não estão na tarifa regulada, têm contratos para um ano), mas tenderá a aumentar com o passar dos meses, à medida que vão sendo renovados mais contratos que beneficiarão de um nível mais baixo de preços grossistas introduzido pela intervenção política.

Nas contas da ERSE, até ao final de Maio de 2023 (fim da vigência do mecanismo) a procura, que será simultaneamente beneficiária e pagadora, deverá rondar os 44,3%, supondo-se que o restante consumo (e consumidores) tem contratos com preços fixos (ou seja, que não estão expostos às flutuações do mercado), pelo que não beneficiam do ajustamento, nem o pagam.

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