Jovens voluntários do Quénia ajudam comunidades a prepararem-se para a seca

País do Leste africano atravessa seca que pode deixar milhões de pessoas malnutridas. Um factor decisivo para as comunidades se prepararem tem sido a tradução dos boletins do Governo do Quénia sobre a seca para as línguas locais feita por jovens voluntários.

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Pastor queniano leva rebanho a beber água numa poça perto do leito seco de um rio THOMAS MUKOYA/Reuters

Sentado debaixo de uma acácia para se proteger do calor sufocante, Bonface Ewaar, um líder da juventude, mantém uma discussão profunda sobre qual será a melhor forma para alertar a sua comunidade, em Katilu, no Noroeste do Quénia, sobre o agravamento da seca. O jovem de 24 anos está a trabalhar com dois colegas sobre um boletim de alerta de desastres, lançado pela agência da seca do Governo queniano. Ele planeia traduzir o boletim do inglês para a língua local turkana, para que a mensagem seja partilhada tanto por rádio como pelas pessoas, de boca em boca.

“Traduzir é uma tarefa difícil. Mas servir a minha comunidade desta forma significa muito para mim, porque assim eles são capazes de compreender e tomar medidas contra os desastres”, disse o jovem à Fundação Thomson Reuters, na sua aldeia, no município de Turkana, no Noroeste do país.

O Quénia está a sofrer uma das suas piores secas em décadas, e a Autoridade Nacional para a Gestão da Seca (ANGS) disse em Junho que 4,1 milhões de pessoas podem enfrentar fome e inanição devido à seca – um aumento de 17% face ao mês anterior.

O agravamento dos choques climáticos e do tempo extremo deixou várias comunidades do Quénia desesperadas por informação para se prepararem e se protegerem, explicou Hussein Noor Adille, gestor do programa Nawiri contra a fome. O nome do programa significa “prosperar” em suaíli. Lançado em 2020, e financiado pela Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos, o programa de cinco anos tem como objectivo enfrentar a malnutrição aguda nas regiões mais secas desta nação do Leste de África.

Apesar de a ANGS lançar boletins de alerta de desastres mensais, ou mesmo semanais, para as comunidades ameaçadas pelo clima, eles são distribuídos para os municípios em inglês. Isso significa que para muitos quenianos que vivem num contexto rural, e que falam outras línguas ou não sabem ler e escrever, os boletins em inglês pouco ajudam. Para combater isto, os jovens como ​Bonface Ewaar voluntariaram-se para traduzir e divulgar os alertas.

Essas traduções já ajudaram pais de crianças a evitar que elas ficassem malnutridas e pastores a gerir melhor os seus rebanhos, disse Hussein Noor Adille, do programa Nawiri. “As pessoas que não sabem ler não vão compreender os riscos que estão a enfrentar, como o desastre está a progredir e as mudanças que estão a acontecer no mercado em termos do preço dos alimentos”, explicou. “A versão traduzida serve este público marginalizado.”

Pessoas a menos

Há pouca informação clara sobre o número de jovens que estão envolvidos na tradução destes boletins por todo o Quénia. Embora tanto Ewaar como outros jovens estejam orgulhosos pelo trabalho que fazem, eles defendem que fazer estas traduções sem serem pagos limita o número de pessoas que se dedica a elas. “Faríamos mais se o Governo reconhecesse isto como um serviço com valor e nos compensasse”, referiu.

Abdulkarim Salesa, um comerciante e um tradutor voluntário que vive no município de Isiolo, no Centro do país, disse que poucos são os jovens que ajudam as suas famílias durante a seca. A dificuldade em traduzir termos técnicos complexos foi também um desafio para o recrutamento dos voluntários, adiantou o comerciante: “Por vezes, a linguagem usada nos boletins é difícil de compreender.”<_o3a_p>

Os avisos dos boletins focam-se numa variedade de ameaças na região, incluindo os riscos de malnutrição e de doença respiratória durante as secas prolongadas. O número de casos de malnutrição aguda em crianças com menos de cinco anos no Quénia aumentou para 942.000 em Junho, uma subida de 25% em relação a Fevereiro, segundo os dados do Governo queniano. <_o3a_p>

Em Abril, Moitan Akitela, uma mulher de uma aldeia em Nawapeto, na região de Turkana, ouviu pela rádio local que a sua área iria atravessar uma seca prolongada devido à falta de chuva. Além disso, ficou também a saber que isso poderia deixar o seu filho de um ano de idade vulnerável à fome.<_o3a_p>

Apesar da sua saúde debilitada, a queniana percorreu a pé dez quilómetros até ao centro de saúde mais próximo. Lá, conseguiu falar com o administrador da área local que a pôs em contacto com o sistema de saúde do programa Nawiri. Desde então, Moitan Akitela juntou-se a outras mulheres num centro da comunidade perto da aldeia para visitas semanais de saúde. Nessas visitas, o seu filho foi vacinado e tem sido avaliado em termos de malnutrição.<_o3a_p>

Peter Lokol, um pastor que também trabalha como voluntário na área da saúde, disse que reduziu o tamanho do seu rebanho quando ouviu pela rádio que iria haver uma seca prolongada. Essa redução permite que o pasto dure mais tempo para os animais com que ficou. “Posso adaptar-me facilmente a situações de stress. A única coisa que me falta é a informação sobre quando tenho de fazer isso”, disse.

Divisor de águas

À medida que as alterações climáticas se intensificam e deixam mais pessoas vulneráveis, os mecanismos de alerta de desastres – como a Rede de Sistemas de Aviso Prévio de Escassez Alimentar – são cada vez mais cruciais, dizem os especialistas. A Organização das Nações Unidas comprometeu-se, em Março último, com a cobertura da monitorização de pré-aviso meteorológico de todas as pessoas do planeta até 2027. Neste momento, 60% dos africanos vivem em regiões fora do alcance deste tipo de sistemas, avisou na altura a ONU.

Os voluntários como Salesa e Ewaar estão interessados em profissionalizarem-se mais naquele trabalho e esperam que, a tempo, se criem aplicações de telemóveis para lançarem os seus alertas. Alguns também começaram a fazer missões de reconhecimento para documentar os problemas que as suas comunidades estão a enfrentar.<_o3a_p>

Ao tirarem fotografias de gado morto que encontram e ao divulgarem estas fotografias nas redes sociais, as autoridades e as instituições de filantropia podem ser alertadas para as regiões que poderão necessitar de ajuda, exemplificou Ewaar. “É um trabalho desafiador”, admitiu o jovem. “Mas é algo que mostra como as soluções locais podem ser determinantes para ajudar a gerir o agravamento de desastres.”

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