Quando o filho é um escudo

Comecei por escudar-me no menino quando ele era bebé. A verdade é que já tem 11 anos e continua a dormir no quarto que antes era meu e do meu marido.

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Primeiro estranhou, depois habitou-se a adormecer no sofá e deixou de insistir que a cama é dele, paga com o suor do seu trabalho, e que o miúdo já é um rapagão capaz de dormir no quarto dele sozinho. Provavelmente tem amantes ou paga a mulheres para se deitarem consigo, nunca pensei muito sobre isto.

Não sinto ciúmes, fico aliviada por ter deixado de se deitar comigo. Comecei por escudar-me no menino quando ele era bebé. A verdade é que já tem 11 anos e continua a dormir no quarto que antes era meu e do meu marido. Disseram-me que lhe era prejudicial, que podia traumatizá-lo, desenvolver complexo de Édipo (a célebre tragédia grega em que um rapaz se apaixona pela mãe e mata o pai, tudo isto sem querer), mas eu olho para o menino e vejo que está bem.

Não sei se é correcto estar a usá-lo para me salvar do seu pai, meu marido quase há 15 anos, porém o homem que me fez um filho deixou de me pôr as mãos em cima faz hoje seis meses. Sei porque assinalei a data com a conta do hospital. Deu-me cabo do nariz e fui eu que tive de pagar a conta. Chegou a casa bebido, como é costume às sextas, entrou na sala — estávamos eu e o menino a ver o último episódio da novela — e desatou a chamar-me nomes. Que sabia dos meus amantes, que eu era uma sonsa e que a ele não o enganava, nem pouco mais ou menos, e vem direito a mim e dá-me um murro na cara.

Começou a jorrar sangue por todos os lados, o menino desatou a chorar agarrado ao meu ombro, a pedir ao pai para parar com aquilo e ele, sem dar resposta, saiu de casa aos tropeções, tal como entrou; batendo a porta com força. Ainda tentei estancar o sangue no lavatório da casa de banho mas a torrente vermelha não parava de correr. Tive de ir para o hospital, deixando o menino com a Amélia, a nossa vizinha da frente que já está habituada aos festivais de pancadaria na minha casa.

Essa noite dormi sozinha na cama. Quando voltei do hospital tranquei-me no quarto, senti-o entrar em casa já de manhã e tentar abrir a porta do sítio onde eu estava com o nariz desfeito pelas suas mãos horas antes. Desistiu de entrar com facilidade, como era de manhã já devia estar sóbrio. Sóbrio parece que não faz mal a uma mosca. Não me pediu desculpa mas ouvi-o chorar no sofá até adormecer. Nunca mais pediu para ir comigo para a cama.

Há seis meses que não me bate. Jurei a mim própria sair desta casa se voltar a tocar-me com um dedo que seja. Quando me dizem que o meu filho está obviamente traumatizado por dormir até tão tarde comigo, eu sei que ele está traumatizado mas é por ter visto o pai mandar abaixo o nariz da mulher que o trouxe ao mundo. O meu filho precisa de mimos. Não estou a estragá-lo por adormecer comigo todas as noites. Enquanto ele quiser, dorme no meu quarto, sim, não me venham com teorias.

Não percebo por que motivo isto poderá fazê-lo um homem mau. O meu filho é um menino bom. E ter o amor da mãe é a única coisa que o pode salvar nesta casa, a única coisa que pode servir de borracha para as memórias criadas pelo pai.

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