Mais de metade das espécies sem estatuto de conservação podem estar ameaçadas

Há vários milhares de organismos que, por não haver informação suficiente, não têm um estatuto de conservação atribuído pela União Internacional para a Conservação da Natureza. Uma equipa usou um sistema de inteligência artificial para avaliar a situação dessas espécies.

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Mapa da Terra com a mudança da percentagem de espécies marinhas ameaçadas após os resultados da equipa: a amarelo, as regiões onde subiram as espécies ameaçadas; a azul, as regiões onde baixaram essas espécies Programa Industrial de Ecologia/Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia
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Mapa da Terra com a mudança da percentagem de espécies terrestres ameaçadas após os resultados da equipa: a amarelo, as regiões onde subiram as espécies ameaçadas; a azul, as regiões onde baixaram essas espécies Programa Industrial de Ecologia/Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia

Na enorme lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês), que avalia o estatuto de conservação de muitos animais, plantas e outros seres vivos, há 7699 espécies que caem na categoria de “dados insuficientes”. Ou seja, não há informação suficiente para avaliar o grau de risco de extinção destes seres vivos. Agora, uma equipa de investigadores usou um sistema de inteligência artificial de aprendizagem automática para avaliar o estatuto das 7699 espécies e estimou que 56% poderão estar em risco de extinção. O trabalho foi publicado nesta quinta-feira na revista Communications Biology.

A Lista Vermelha da IUCN inclui 147.517 espécies, das quais 41.459 estão em risco de extinção, o equivalente a 28% do inventário. No entanto, espécies cuja informação não permite fazer uma avaliação directa ou indirecta do seu estatuto de conservação – normalmente por falta de dados sobre a sua abundância e distribuição geográfica – agrupam-se na categoria de “dados insuficientes”, independentemente de haver mais ou menos suspeitas de que estão ameaçadas. Esta situação acaba por ser limitante para quem quer tomar decisões de conservação da natureza.

“Nas nossas análises, estas espécies têm sido um obstáculo maior”, explicou ao PÚBLICO Jan Borgelt, primeiro autor do artigo agora publicado. Este estudante de doutoramento trabalha no Programa Industrial de Ecologia da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, mais especificamente numa unidade de investigação que analisa os impactos que a pressão humana tem nos ecossistemas.

Uma fonte importante de informação para se poder analisar os ecossistemas é o estatuto de conservação das espécies atribuído pela IUCN. Mas as 7699 espécies não avaliadas tornam-se uma pedra no sapato para a equipa. “Nós e outros profissionais que dependem da avaliação do risco de extinção da IUCN temos de decidir de uma forma arbitrária como tratamos apropriadamente as espécies que estão na categoria de ‘dados insuficientes’”, queixou-se o investigador. A nível científico, essa arbitrariedade é um problema.

Para contornarem esta questão, a equipa resolveu utilizar um sistema de inteligência artificial de aprendizagem automática para fazer uma avaliação do estatuto de conservação das 7699 espécies. Para isso, os investigadores analisaram as espécies que têm um estatuto de conservação conhecido: observaram as suas distribuições, onde foram observadas e quais as condições e ameaças a que estavam submetidas.

Com esta informação prévia, “o algoritmo do sistema de inteligência artificial procurou padrões para, por fim, encontrar características importantes que possam prever se existem probabilidades de uma espécie estar ameaçada ou não”, referiu Jan Borgelt. “Este modelo relativamente complexo é depois usado para estimar o risco de extinção daquelas espécies que previamente estavam catalogadas como tendo dados insuficientes.”

Novo mapa da conservação

Ao todo, o sistema estimou que 4336 espécies com dados insuficientes, 56% do total, poderiam estar em risco de extinção, uma percentagem superior à da Lista Vermelha, de 28%. Jan Borgelt avança uma hipótese para este valor ser tão alto. “Estas espécies não são muito comuns. Nesse sentido, não é totalmente surpreendente que tantas pareçam estar provavelmente ameaçadas de extinção”, argumentou. Ainda assim, a percentagem variou de acordo com os grupos de animais: 85% no caso dos anfíbios, 62% dos insectos, 61% dos mamíferos, 59% dos répteis e 40% dos peixes actinopterígios (grupo importante de peixes).

A partir desta avaliação, a equipa construiu mapas do mundo que assinalam as geografias que passam a ser mais importantes do ponto de vista de conservação da natureza, tendo em conta as 4336 espécies a mais que estão, possivelmente, em risco de extinção. No caso de organismos terrestres, encontram-se sobretudo em bolsas geograficamente limitadas. Em relação às espécies marinhas, a mudança acontece ao longo de linhas costeiras, algumas delas extensas. Assim, a região costeira tropical da América do Sul (no oceano Atlântico), o Norte da Argentina, a região do Corno de África, o Norte da Argélia são algumas das geografias que ganharam uma importância repentina do ponto de vista da conservação, segundo este estudo.

“Os resultados podem ajudar a sublinhar onde estão os focos importantes [de conservação] e se eles são importantes por causa das espécies que estão na categoria de dados insuficientes. Em geral, a Lista Vermelha da IUCN necessita de ir sendo actualizada. As nossas previsões chamam a atenção para espécies que poderão ser alvo de prioridade quando estiverem a ser reavaliadas no futuro”, concluiu o investigador.

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