Até o Bruno Aleixo vende vinho

Uma marca do Dão, outra do Douro, este Bruno Aleixo da Bairrada e o branco da Madeira que chega para a semana, tudo em 2022. Qual é a estratégia da Herdade do Rocim?

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Bruno Aleixo Clarete 2021 DR

O ritmo de lançamento de vinhos de diferentes regiões por parte da Herdade do Rocim – o último é este irreverente clarete Bruno Aleixo 2021, Denominação de Origem Bairrada – recordou-nos uma piada que ocorria há uns anos quando os jornalistas se encontravam com membros da família Symington. Nessas alturas, o João Paulo Martins, com o à-vontade que se lhe reconhece, atirava assim: “Ora, digam lá, que quinta é que compraram esta semana? É que hoje ainda não recebemos nenhum comunicado. Está atrasado?” E Paul, Charles, Dominic, Rubert ou Johnny, um deles, com aquele sotaque que tem direitos de autor, lá dizia, entre sorrisos, qual tinha sido o último negócio. (Por curiosidade, mas sempre com cautelas porque com eles nunca se sabe, a família Symington é hoje dona de 27 quintas, o que dá, só em vinha, 1065 hectares.)

De maneira que ligamos ao Pedro Ribeiro, enólogo e gestor da Herdade do Rocim e, armados em João Paulo Martins, perguntamos-lhe que vinho, depois do Bruno Aleixo, lançariam na próxima semana? Resposta imediata: “Será o A Meias, um vinho branco da Madeira, feito com o Ricardo Diogo, da Barbeito — um Verdelho com 3 por cento de Sercial e envelhecido em ânfora”. E pronto, lá se foi o efeito provocatório da pergunta. Na Herdade do Rocim, lançar novos vinhos transformou-se num desporto. Este ano, como novas chancelas, já temos o Estrangeiro (Dão), o Raio de Luz (Douro), o Bruno Aleixo (Bairrada) e o tal A Meias (Madeira).

Agora, por que razão isso acontece? O que está por detrás de uma estratégia que, numa empresa de média dimensão, implica trabalhar oito regiões vitivinícolas (já tínhamos Alentejo, Lisboa, Verdes e Açores)? Haverá racionalidade em tudo isso? A ideia é ultrapassar o Dirk Niepoort na curva? Diz-nos então Pedro Ribeiro com a maior das calmas: “Podemos olhar para isso a partir do posicionamento estratégico da marca Rocim — que é o que interessa — ou a partir de um exercício de criatividade e acumulação de conhecimento meu como enólogo. A vocação estratégica da Rocim é a exportação, visto que estamos em 47 países. E, muitas vezes, os importadores querem alargar o portfólio dos vinhos portugueses de diferentes regiões. E, em vez de irem à procura de novos produtores, de outras regiões, com o tudo o que isso implica, preferem trabalhar com produtores que conhecem há muito tempo e com os quais têm um relacionamento de confiança. Nós gostamos de fazer isso, até por que dá notoriedade à marca Rocim.”

A par dos vinhos do Alentejo e de Lisboa, a construção do portfólio da Herdade do Rocim faz-se através da parceria com enólogos de outras regiões, da compra de uvas e a vinificação em adegas alheias ou da criação de uma área de negócio que é a Terracotta Wine Imports, que representa, para os mercados interno e externo, vinhos de diferentes países e feitos exclusivamente em ânforas (em breve serão oito países). Marcas como Karasi (Arménia) Les Orchis e Maze e Coel (França) ou Ashbourne (África do Sul), por exemplo, são vendidas no site da Rocim, pelo que os consumidores interessados neste perfil de vinhos podem perceber o que se faz pelo mundo, por comparação ao que se faz nas adegas da Vidigueira e não só. Aliás, este projecto é o prolongamento do Amphora Wine Day, evento criado pela Herdade do Rocim e que a 12 de Novembro assinala a quinta edição. Estão agora a ver porque é que a gente se lembrou de comparar a Rocim à Niepoort?

A estratégia de Pedro Ribeiro passa por fazer da Herdade do Rocim uma empresa de experimentação das ânforas por todo o país, como alternativa às tradicionais barricas de fermentação e estágio, coisa que, de resto, acontece no mundo (Bordéus incluído). “Se é certo que estamos a viver um período de boom, também é certo que a utilização do barro já não é apenas uma moda. E o que nós queremos é perceber como é que este recurso tecnológico se adapta a cada terroir português”, salienta o enólogo, para enfatizar que, apesar de todas as regiões terem potencial de utilização do barro, “a questão determinante é o período óptimo de vindima”. “Se queremos que um vinho fermentado em ânfora/talha viva bem no tempo temos de fazer vindima cedo para guardar a acidez das uvas. O material poroso que é o barro, o volume dos recipientes, o processo de fermentação e o contacto com as borras exigem isso: vindimas precoces. O nosso trabalho nos Verdes com o Alvarinho [parceria com Joana Santiago] e na Madeira, com o Ricardo Diogo, são bons exemplos”. Por este caminho, qualquer dia teremos garrafas Rocim de Colares ou Bucelas.

Quanto ao clarete Bruno Aleixo 2021, a equipa da Herdade do Rocim não deu ponto sem nó. Pelos vistos existe — vá lá uma pessoa perceber porquê — uma legião de fãs do boneco animado nascido na Bairrada. Deve ser verdade porque, apesar de serem apenas oitocentas garrafas de 1 litro (“duas garrafas é muito, mas uma também é pouco... daí que 1 litro seja perfeito”, segundo o Bruno Aleixo), “400 venderam-se via online na semana de lançamento, a 19,99 euros”, diz-nos Pedro Ribeiro.

Hoje, tudo serve para vender vinho. A arte em sentido lato, a história, a botânica, o futebol, homenagens a personalidades, efemérides, datas redondas, o design, a irreverência gráfica, nomes pícaros e burlescos, a D. Dolores, o humor e até o Bruno Aleixo. Mas, neste caso, a associação entre um clarete e a faixa geracional que segue a dupla Pedro Santo e João Moreira, da Bairrada, percebe-se. Este é um clarete feito de Baga, mas tão clarete, tão clarete (na cor e na textura) que é capaz de arrepiar um consumidor conservador de vinho acima dos 45 anos, que não conhece esta categoria clarete e torce o nariz a vinhos descorados, com poucos taninos e menos álcool. Já a geração abaixo ou aquela que está em fase de iniciação ao vinho e atenta a outras modas vínicas, em particular aos vinhos ditos naturais, é capaz de achar alguma graça a um vinho que pode parecer um rosé, mas sem ser enjoativo. Neste sentido, é um vinho didáctico, desafiante e brincalhão.

Dito isto, o vinho que é feito a partir de uma pisa a pé ligeira e fermentação logo de seguida do mosto não é nenhum refresco de verão. É subtil, certo, mas com ondas de sabor interessantes. Para que serve? Bom, aqui diríamos que para acompanhar umas entradas de peixes fumados, conservas, snacks com pepino, endro e coisas assim, de preferência com um grupo de amigos a discutir os insondáveis caminhos de algum do humor que se faz por cá. Mas, atenção, tudo na paz do Senhor porque em matéria humor cada um sabe de si.

Moral da história, a Herdade do Rocim vive das vendas dos vinhos de grande volume produzidos no Alentejo, mas sabe muito bem que esses clássicos têm uma atracção limitada em matéria de ruído comunicacional, num mundo sempre a uivar por novidades. Donde, os pequenos projectos são estratégicos para manter o nome Rocim na agenda. A Herdade do Rocim não inventou nada, mas, em matéria de experimentação de ânforas em diferentes terroirs do país, é uma candeia que iluminará outros produtores. Marcou posição. E isso é bom para o negócio e é bom para educação dos consumidores.

Nome Bruno Aleixo 2021

Produtor Herdade do Rocim e Quinta da Lagoa Velha

Castas Baga

Região Bairrada

Grau alcoólico 12 por cento

Preço (euros) 19,99

Pontuação 89

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova De cor muito aberta (mais aberta que muitos rosés), este clarete liberta aromas de groselha, romã e morango, com ligeiras nuances vegetais e frescas. Na boca regressam todas estas sensações, com estrutura de boca ligeira, mas com taninos suaves (aveludados) e pouco álcool. E pouca persistência. Este não é um vinho feito para evoluir em garrafa, mas será curioso prová-lo daqui a um ano. Havendo, claro. De momento, calha bem neste Verão de ananases.

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