“Deputado dos gravadores” acusado agora de prevaricação e abuso de poder como autarca nos Açores

Não é a primeira vez que Ricardo Rodrigues se vê a contas com a justiça. Quando era deputado, roubou gravadores a jornalistas. Agora está em causa a concessão de um restaurante a um irmão.

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O ex-deputado é presidente da autarquia de Vila Franca do Campo, nos Açores José Fernandes

O socialista que lidera a Câmara de Vila Franca do Campo, nos Açores, Ricardo Rodrigues, foi acusado pelo Ministério Público dos crimes de prevaricação e abuso de poder. Não é a primeira vez que se vê a contas com a justiça: já foi condenado por ter roubado os gravadores a dois jornalistas quando era deputado no Parlamento, em 2010.

Desta vez, o que está em causa não é um furto, mas sim a concessão, pela autarquia, em 2018, de um restaurante na Rotunda dos Frades, construído com dinheiro da autarquia. O negócio foi entregue a uma associação fundada por um irmão seu, Luís Rodrigues, e por Orlando Guimarães, marido da vereadora socialista Nélia Guimarães, intitulada Amigos de Vila Franca do Campo. Segundo a acusação, a associação cedeu depois o direito de exploração do restaurante D'Vila a uma sociedade unipessoal com ligações a Luís Rodrigues, a Nutriatlântico. Diz também o Ministério Público que o irmão do presidente da câmara teve conhecimento antecipado das condições estipuladas no concurso de concessão, o que o colocou em vantagem relativamente aos restantes concorrentes.

O inquérito judicial teve origem numa denúncia apresentada pelo PSD ao Ministério Público. Também o vereador socialista Carlos Pimentel e a ex-autarca Nélia Guimarães foram acusados dos mesmos crimes. Desde que foi constituído arguido que Ricardo Rodrigues tem dito estar de consciência tranquila.

Perante o sucedido, a comissão política concelhia do PSD de Vila Franca do Campo pediu a demissão de Ricardo Rodrigues e do vereador, por considerar que “não têm mais condições políticas para garantir a confiança e a estabilidade necessárias para continuarem à frente dos destinos do município”. Mas o arguido já anunciou que se irá manter em funções. Em declarações à RTP Açores, Ricardo Rodrigues assegurou que o procedimento relativo ao restaurante foi “totalmente transparente” e acusou o Ministério Público de ter - “não vou dizer que intencionalmente” - omitido alguns factos para fazer vingar a sua versão dos acontecimentos.

O social-democrata Emanuel Medeiros, que dirige a concelhia, explica que o restaurante fechou ao público no início da pandemia, em 2020, mantendo-se encerrado até hoje. O PSD de Vila Franca do Campo participou entretanto ao Ministério Público a concessão de um segundo restaurante por parte da mesma autarquia, por o negócio não ter sido submetido à apreciação da câmara nem da Assembleia Municipal, muito embora aqui não existam suspeitas de favorecimento, pelo menos por enquanto. Trata-se do Mercado do Peixe, na Avenida Vasco da Silveira.

O episódio dos gravadores deu-se na Assembleia da República. Depois de ter sido alvo de perguntas que considerou incómodas por parte de dois jornalistas da revista Sábado, relacionadas com o seu alegado envolvimento num escândalo de pedofilia, o então deputado esperou pelo final da entrevista para furtar, de forma sub-reptícia, os gravadores dos profissionais de informação, que escondeu num bolso do casaco. O seu acto foi, porém, filmado e em 2013 o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a sua condenação a uma multa de 4950 euros, por crime de atentado à liberdade de imprensa e de informação.

Nessa altura tinha acabado de ser eleito presidente da Câmara de Vila Franca do Campo. Quatro anos mais tarde tornou-se membro do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por indicação do grupo parlamentar do PS.

Advogado de profissão, em 2000 Ricardo Rodrigues chegou a ser suspeito de envolvimento com um gang internacional, num processo que levou à condenação de várias pessoas. A principal arguida, Débora Raposo, professora do ensino básico para a qual Rodrigues trabalhava como advogado, acabou sentenciada a seis anos de prisão por burla qualificada e falsificação de documentos. Já as suspeitas que impendiam sobre o socialista, que alegou desconhecer a actividade delituosa dos arguidos, foram arquivadas.

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