Ser nadador-salvador em Portugal, o que lapidar?

Não podemos correr o risco de não ter praias vigiadas. Só em 2021 à luz dos dados fornecidos no site da autoridade marítima nacional, houve 415 saídas de socorro, 40 vidas salvas e 970 salvamentos nas praias.

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Duarte Drago

Actualmente, ser nadador salvador não é aliciante, nem uma profissão, como ilustra taxativamente o artigo 2.º da lei 68/2014 de 29 de Agosto (regime jurídico aplicável ao nadador-salvador em todo o território nacional). Transcrevendo o significado de profissão do dicionário: “Trabalho habitual de uma pessoa através do qual ela consegue os meios necessários à sua sobrevivência” — é passível de conclusão de que não estamos diante um trabalho habitual, mas sazonal, pois não há uma durabilidade, estabilidade.

Claramente “profissão” não é uma realidade para quem tenciona seguir uma carreira de nadador salvador (NS), visto que terminando a época balnear, a maioria das praias deixa de ter vigilância permanente como no Verão, um problema ainda sem uma resposta.

Todas as praias que se encontram sinalizadas como vigiadas deveriam manter a vigilância no restante período do ano com NS, sem embargo, a sua materialização carece de ser um emprego bem remunerado e respeitado dignamente, uma vez que receber cinco euros à hora ou até menos para trabalhar dez horas é indigno.

Quando se arriscam vidas para salvar outras e quando os concessionários facturam milhares de euros, não podemos esperar ter competência nem recursos humanos à mão de semear. “A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos”, disse Montesquieu.

Ajoelhar, “implorando” mão-de-obra estrangeira mais cheap para colmatar as nossas falhas, não é a fórmula mágica. Caso nada seja feito, a desmobilização continuará a ser a senda, ainda mais quando a maioria dos nadadores salvadores são jovens estudantes dependentes dos pais, ou seja, não necessitam de estabilidade financeira.

Os cursos para vestir a “capa” de nadador salvador cada vez estão mais caros, ultrapassando a barreira dos 300 euros. Uma formação que deveria de ser ministrada não por entidades privadas que podem “brincar aos preços” com assuntos de interesse público, afastando quem não tenha capacidade financeira para desembolsar um valor desta natureza.

Esta formação tem de ser administrada directamente pelo ISN (Instituto de Socorro a Náufragos, uma instituição secular com fins humanitários dirigida ao salvamento marítimo, socorro a náufragos e assistência a banhistas), gratuitamente ou tendencialmente gratuita (o que certamente aumentaria o volume de oferta), dado que estamos a falar de serviço público “essencial” na salvaguarda da vida humana.

E, neste momento, há muita procura e pouca oferta. Não podemos correr o risco de não ter praias vigiadas. Só em 2021 à luz dos dados fornecidos no site da Autoridade Marítima Nacional, houve 415 saídas de socorro, 40 vidas salvas e 970 salvamentos nas praias. Imaginam o que seriam 970 potenciais afogamentos por não existirem pessoas habilitadas a prestar esse socorro? Os cursos devem ocorrer mensalmente o que não configura o panorama actual.

E qual o papel dos concessionários nesta paisagem? Primeiramente, estes, ao invés de pagarem directamente aos nadadores salvadores, pagariam às câmaras municipais (CM) e, por sua vez, a autarquia tratava de liquidar os vencimentos a tempo e horas. Acabava-se com a dependência que não se pretende entre NS e concessionários, dado que os nadadores são “profissionais liberais” por natureza, prestam serviço à praia, aos banhistas, não ao restaurante ou café.

O vínculo tem de ser sempre com as pessoas. As câmaras municipais tratariam ainda da contratação destes nadadores, agilizando-se todo o processo de desleixo, desinteresse ou incapacidade dos concessionários. Este mantinha o papel de pagador do salário (indirectamente através das CM) dos NS pela “utilização de equipamentos ou instalações balneares”, não olvidando que deve haver dois tipos de vínculos, um dirigido a título especial para os jovens estudantes que vivem sob alçada dos pais, de modo a não agravar o escalão de IRS destes, bem como não perdendo o direito a bolsas de estudo ou outros apoios. Quanto a subsídios que possam ter, os mesmos ficariam, por exemplo, suspensos automaticamente até o estudante terminar a época balnear.

O segundo tipo de vínculo a ser estabelecido teria de ser um contrato de trabalho sem termo, fixando-se na agenda e nos quadros das câmaras municipais estes “profissionais” todo o ano a prestar auxílio e socorro às pessoas que frequentam as suas praias em todo o nosso país, dando-se cabimento orçamental e assegurando-se o vencimento destes no restante ano em que os concessionários não beneficiariam do dinheiro vindo das palhotas, actividades lúdicas e aquáticas, venda de gelados, entre outros.

Uma outra proposta que teria de ser custeada pelo Estado versa na implementação em todo o território nacional de um sistema de drones, que funcionaria como “sistema de reacção rápida” no apoio aos nadadores salvadores, uma política que já provou a sua utilidade, por exemplo, em Espanha, salvando a vida de um menino de 14 anos numa praia em Gandia.

Deve ser redesenhado o estatuto de nadador-salvador, incluindo todas as sugestões que fui mencionando, bem como deveria ser instituído um sindicato de nadadores salvadores com poder para representar e defender os seus interesses (os associados), tal como para negociar os vencimentos dos mesmos com as entidades empregadoras.

Setenta por cento dos nadadores salvadores são estudantes, logo temos de salvaguardar os seus interesses para que possamos ter as praias com a vigilância assegurada condignamente, tal como criar uma carreira profissional e jurídica de nadadores salvadores.

O que é pontual é efémero, o que é justo é duradouro.

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