Como as alterações climáticas têm impacto nos detritos vegetais de ribeiros

Se desaparecerem os invertebrados associados às areias, pedras e plantas aquáticas dos ribeiros, isso terá um grande efeito na decomposição das folhas, que se sentirá em todo o ecossistema, diz estudo em que participa cientista da Universidade de Coimbra.

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Os ribeiros recebem grande quantidade de detritos vegetais, que vão sustentar as cadeias alimentares nestes ecossistemas Universidade de Coimbra

O eventual desaparecimento de pequenos animais que vivem nas areias, pedras e em plantas aquáticas dos ribeiros, por causa das alterações climáticas ou da actividade humana, terá um grande impacto na decomposição das folhas, com efeitos nos ciclos dos nutrientes e do carbono, alerta um estudo internacional, em que participa uma cientista portuguesa.

O estudo foi produzido por uma equipa de 13 investigadores de sete países, liderada por Kay Yue e Fuzhong Wu (Escola Superior de Educação de Fujian, China) e na qual participou a investigadora portuguesa Verónica Ferreira, do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC). Foi publicado na revista científica Biological Reviews e avaliou os efeitos dos invertebrados (pequenos animais como vermes e insectos) na decomposição de detritos vegetais em ribeiros a nível global.

Os ribeiros constituem a maioria das linhas de água numa bacia hidrográfica. “Recebem grande quantidade de detritos vegetais produzidos pela vegetação circundante e são estes detritos que vão sustentar, em grande parte, as cadeias alimentares nestes ecossistemas e também a jusante, incluindo grandes rios e zonas costeiras”, diz Verónica Ferreira, citada num comunicado de imprensa da Universidade de Coimbra, para explicar a importância de estudar estes processos.

A decomposição de detritos vegetais é, assim, um “processo fundamental em ribeiros, porque sustenta as cadeias alimentares aquáticas e é parte integrante dos ciclos de nutrientes e de carbono a nível global”, diz a investigadora do Mare.

“É especialmente importante compreender quais os organismos intervenientes neste processo e como é que reagem a alterações ambientais, porque alterações na decomposição de detritos vegetais têm implicações nas cadeias alimentares e nos ciclos de nutrientes e de carbono”, argumenta Verónica Ferreira.

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Alguns dos invertebrados que ajudam a decompor os detritos vegetais Universidade de Coimbra

Para avaliar quais os factores que controlam o papel dos invertebrados no processo de decomposição de detritos vegetais em ribeiros, foi feita uma meta-análise, técnica que, de acordo com Verónica Ferreira, “permite a integração de evidência científica publicada para abordar questões a larga escala e até mesmo novas questões que ainda não tenham sido abordadas empiricamente”.

Deste modo, foram considerados 141 estudos que cumpriam critérios específicos e contribuíram com 2707 observações em ribeiros não poluídos distribuídos principalmente pela América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia Oriental e Oceânia.

O estudo verificou que, a nível global, “a presença de invertebrados estimula a decomposição de folhadas em média em 74%, sendo o efeito mais forte quanto maior a densidade, biomassa e diversidade de invertebrados”, diz o comunicado.

Mas “a maior surpresa” para os investigadores, adianta a nota, foi a verificação de que o papel dos invertebrados na decomposição de folhadas é maior na fase inicial do que nas fases intermédias ou avançadas do processo de decomposição, ao contrário do que se pensava até agora.

“Isto é surpreendente porque tem sido demonstrado que os invertebrados trituradores preferem consumir folhada que já foi colonizada pelos decompositores microbianos que a enriquecem em nutrientes e a tornam mais palatável. No entanto, o maior papel dos invertebrados durante a fase inicial do processo sugere que estes podem estar menos dependentes da pré-colonização microbiana da folhada do que se pensava”, explica Verónica Ferreira.

O estudo mostrou ainda que, à escala global, “características ambientais como acidez da água, concentração de oxigénio e temperatura, e características da folha são igualmente importantes para regular o papel dos invertebrados na decomposição”.

Face aos resultados obtidos, os investigadores destacaram a importância de se considerar os invertebrados “em modelos globais de decomposição de detritos vegetais em ribeiros, para melhor descrever e antecipar os fluxos de carbono a nível global”.

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