EUA e taliban trocam acusações após ataque da CIA que matou líder da Al-Qaeda

Ambas as partes dizem que a outra violou o acordo bilateral que estabeleceu as bases da retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão: grupo islamista censura ataque ilícito e sem aviso; Washington denuncia “acolhimento e refúgio” de terroristas.

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Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano, acusa os taliban de "violação grosseira" do Acordo de Doha Reuters/POOL

Na sequência do ataque com drones levado a cabo pela CIA no Afeganistão, que matou o líder da Al-Qaeda, o egípcio Ayman al-Zawahiri, a Administração dos Estados Unidos e os taliban acusaram-se mutuamente de incumprimento dos termos do Acordo de Doha, que estabeleceu os termos da retirada das tropas norte-americanas do país.

O porta-voz do grupo islamista, Zabihullah Mujahid, rotulou o ataque dos EUA na zona de Sherpur, em Cabul, como uma “clara violação” do acordo bilateral, assinado em 2020, e acusou Washington de estar a insistir em “experiências falhadas” no país.

“O Emirado Islâmico do Afeganistão condena firmemente este ataque, em quaisquer circunstâncias, e qualifica-o como uma clara violação dos princípios internacionais e do Acordo de Doha”, lê-se num comunicado divulgado esta terça-feira pela Comissão dos Assuntos Culturais.

“Tais acções são uma repetição das experiências falhadas dos últimos 20 anos e são contrárias aos interesses dos EUA, do Afeganistão e da região”, criticou Mujahid.

O incómodo dos taliban – que retomaram o controlo do Afeganistão em Agosto do ano passado, pouco depois da retirada dos soldados dos EUA e da NATO do país – não se prende apenas com o facto de a CIA ter realizado um ataque de precisão, clandestino e sem aviso em solo afegão.

Segundo a Al-Jazeera, o bairro de Sherpur é uma das zonas residenciais da capital onde residem mais líderes do grupo jihadista. A demonstrada capacidade de actuação furtiva dos activos militares e dos serviços de informação dos EUA nesta operação bem-sucedida fá-los sentirem-se vulneráveis.

Do lado dos EUA, e apesar da satisfação por terem conseguido matar o sucessor de Osama bin Laden e um dos membros da Al-Qaeda que ajudou a coordenar os ataques de 11 de Setembro de 2001, a confirmação da presença de Zawahiri no Afeganistão parece indicar que o propalado grande objectivo da invasão anglo-americana do país – a neutralização da Al-Qaeda e o desmantelamento do “ninho de terroristas” afegão –, há 20 anos, não foi efectivamente cumprido.

Ora, um dos pontos acordados pelas partes no pacto de Doha foi o compromisso assumido pelos taliban em não oferecer refúgio a grupos terroristas, como fizeram no passado a Al-Qaeda. Por isso mesmo, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, também denunciou uma violação do acordo de 2020.

“Ao acolherem e darem refúgio ao líder da Al-Qaeda em Cabul, os taliban violaram grosseiramente o Acordo de Doha e as repetidas garantias que deram ao mundo, de que não iriam permitir que o território afegão fosse utilizado por terroristas para ameaçarem a segurança de outros países”, acusou Blinken, num comunicado divulgado logo na segunda-feira.

“[Os taliban] também traíram o povo afegão e o seu próprio desejo assumido de reconhecimento e de normalização com a comunidade internacional. Face à relutância ou à incapacidade dos taliban em respeitar os seus compromissos, vamos continuar a apoiar o povo afegão com ajuda humanitária robusta e a defender a protecção dos seus direitos humanos, especialmente os das mulheres e das raparigas”, afiançou Blinken.

Citado pela Reuters, Adam Schiff, congressista do Partido Democrata e presidente da comissão parlamentar dos Serviços Secretos na Câmara dos Representantes, também exigiu responsabilidades ao grupo fundamentalista: “Os taliban vão ter de responder pela presença de Zawahiri em Cabul, depois de terem assegurado ao mundo que não iriam dar santuário a terroristas da Al-Qaeda”.

Zawahri, de 71 anos, foi morto pela CIA no fim-de-semana, com um ataque de precisão de um drone que, segundo o Presidente dos EUA, não fez vítimas civis. Segundo Joe Biden, os serviços secretos norte-americanos localizaram o egípcio no início do ano e descobriram que se tinha fixado em Cabul, com a família mais próxima.

“[Zawahiri] esteve profundamente envolvido no planeamento do 11 de Setembro, foi um dos maiores responsáveis pelos ataques que mataram 2977 pessoas em solo americano”, recordou o chefe de Estado. “Agora, foi feita justiça e este líder terrorista já não existe”.

No final do comunicado ao país, Biden deixou ainda um aviso para os inimigos dos EUA: “Para aqueles que continuam a tentar ferir os EUA, oiçam-me: estaremos sempre vigilantes e iremos actuar; e iremos fazer sempre aquilo que for necessário para garantir a protecção e a segurança dos americanos em casa e em todo o mundo”.

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