Aumento dos custos de produção deixa pequenos produtores de vinho “à beira da falência”

Vidro, gasóleo, electricidade, papel e fitofármacos. Tudo aumentou, e de forma exponencial, nos últimos meses, deixando várias empresas do sector dos vinhos em dificuldades.

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O vidro foi uma das matérias-primas em que os produtores viram os custos subir em fecha. Nelson Garrido

“A situação actual é dramática”, alerta Paulo Amorim, presidente da ANCEVE (Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas), fazendo eco daquilo que tem ouvido junto dos seus associados a propósito do aumento continuado dos preços das matérias-primas, dos materiais de engarrafamento, dos transportes e dos custos em geral. Uma situação que está a colocar “inúmeros pequenos e médios produtores de vinho à beira da falência”, adverte aquela associação. Desde há alguns meses, as facturas das garrafas de vidro, gasóleo, electricidade, papel e fitofármacos, não têm parado de aumentar.

As contas ainda não estão completamente fechadas, mas há já quem assegure que este vai ser um “ano difícil”, com “muito dinheiro a sair e pouco a entrar”. As palavras são de João Barbosa, da Sociedade Agrícola João Teodósio Matos Barbosa & Filhos, que não se conforma com o facto de o gasóleo agrícola estar “apenas a 7 ou 8 cêntimos abaixo do gasóleo rodoviário”. “No ano passado, comprei o gasóleo agrícola a 0,86 euros o litro. Este ano, já o paguei a 1,63 euros”, exemplifica, dando ainda o exemplo do enxofre e do cobre. “O enxofre subiu quase para o triplo e o cobre mais do dobro”, aponta, acrescentando a estas contas o aumento do preço da electricidade.

Para João Barbosa o cenário é ainda mais grave por conta dos impactos que a conjuntura actual está a causar também junto do consumidor final. “As pessoas vão começar a fazer contas e a consumir menos vinho”, vaticina, partindo de dados concretos. “Temos cinco clientes na Alemanha e, no ano passado, cada um deles comprou três vezes no ano. Este ano, só quatro é que compraram e só uma vez”, afiança.

Um sector estrangulado

As contas que a ANCEVE fez aos aumentos dos custos de produção englobam, ainda, as caixas de cartão, que “subiram 125%, de 400 para mais de 900 euros o milheiro [milhar de unidades]”, as garrafas, que “subiram já quatro vezes este ano”, passando “de 0,18 euros, em 2021, para 0,27 euros, em 2022”, e as rolhas e cápsulas, que aumentaram 20 e 30 por cento, respectivamente. Também o custo dos transportes disparou, nota a associação, exemplificando: “o custo de envio de uma palete de vinho de Lisboa para o Algarve era de 35 euros e agora está nos 65 euros”.

“Trabalho há mais de 40 anos no vinho e nunca tinha vivido nada assim”, declarava Paulo Amorim à Fugas, alertando para a necessidade de o Governo aceitar “agilizar um plano extraordinário de apoio à fileira do vinho, um sector que leva longe o nome de Portugal mas está a ficar estrangulado pelo aumento brutal dos custos”.

Para alguns produtores bastavam pequenas medidas. “Deviam tirar o imposto do gasóleo agrícola. E tirar o IVA do enxofre e do cobre, tal como aconteceu com o adubo”, defende João Barbosa. Outra proposta podia passar por uma maior rapidez no reembolso do IVA pago pelos produtores. “Como nós compramos à taxa de 23% e vendemos com 13%, o balanço do IVA é a nosso favor e já ajudava muito se o Estado não demorasse tanto tempo a pagar-nos o valor que nos é devido”, sugere Hugo Mendes, pequeno produtor da região de Lisboa e Tejo.

Apesar de estar a fazer todos os possíveis para não aumentar os preços dos seus vinhos, Hugo Mendes não esconde que os custos de produção estão a subir em flecha. “Contas por alto, há um aumento, em termos totais, na ordem dos 30 a 40 por cento”, avalia, especificando que onde nota a maior diferença é nos custos dos transportes.

Estado devia agilizar

Produzir em menor escala traz desvantagens, mas também vantagens e, no que toca à compra de garrafas, Francisco Bento dos Santos até conseguiu tirar proveito da pequena dimensão da sua empresa (cerca de 100 mil garrafas ano). “Em Janeiro, como já se falava que o vidro ia aumentar muito, comprei logo as garrafas. Numa empresa grande isto de armazenar garrafas durante seis meses é impossível, porque são milhões”, testemunha o produtor, filho de José Bento dos Santos. Ainda assim, houve vários aumentos que não conseguiu minimizar, como é o caso da mão-de-obra, da energia, da água, dos fitofármacos, que tornam o cenário praticamente inevitável: “vamos ter de subir alguns preços, mas o mercado também já está à espera disso”, comenta.

Como amenizar a situação dos pequenos e médios produtores de vinho? Francisco Bento dos Santos junta-se ao coro dos que gostariam de ver agilizados e acelerados alguns procedimentos por parte do Estado, de que é exemplo o reembolso do IVA.

Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, entidade gestora da marca Wines of Portugal, considera que também seriam bem-vindos apoios para ajudar a suportar os custos de energia e dos transportes, entre outros. “Estamos a falar de um sector em que a maior parte dos vinhos tem margens muito pequenas. Estes aumentos estão a acabar com essas margens e a trazer prejuízos, colocando a sustentabilidade dos negócios em causa”, alerta.

A perspectiva traçada pela ANCEVE é idêntica: “os produtores apenas conseguiram subir os seus preços de venda em cerca de 10%, pelo que a esmagadora maioria irá apresentar enormes prejuízos no final do ano, se lá conseguirem chegar”, vaticina a organização.

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