Escola do século XXI, o futuro começa hoje…

No atual contexto de incertezas de um Mundo em transformação, precisamos de escolas que sejam também, e muito, um lugar de Felicidade, onde existam espaços e tempos de Sentir & Saber e onde se tenha presente que, para se aprender, é de todo necessário Emoção e Afetividade.

A primeira pergunta que nos ocorre quando refletimos sobre as perspetivas futuras para a escola portuguesa é que escolas merecem as crianças e os jovens?

É nossa convicção que toda a Educação é sempre virada para o futuro e contém uma certa conceção dos seres que viverão este amanhã e que a Escola desempenha um papel insubstituível na preparação e formação de cidadãos capazes de enfrentar mudanças da sociedade.

A ser assim, duas interrogações emergem – Para que futuro devemos educar? Conseguirá a Escola antever as competências que serão fundamentais para um futuro onde imperará, por certo, o desconhecido, o imprevisível, a volatilidade, a incerteza, a complexidade e a ambiguidade?

Com a globalização e automação, assistimos a que tudo o que pode ser automatizado tem sido automatizado. Nos tempos mais recentes, máquinas e algoritmos têm realizado mais funções do que o ser humano. Há estudos que apontam que esta tendência predominará no futuro. Uma nova realidade tecnológica da digitalização e, quem sabe, outras transformações estão ainda para chegar.

Ora, se quisermos acompanhar esta tendência, parece-nos, salvo melhor opinião, que as competências-chave para o futuro serão aquelas que as máquinas não conseguem realizar.

Assim, a escola do futuro não deve ter a excelência como pilar fundamental, mas antes e intencionalmente, o desenvolvimento global dos seus alunos.

A sociedade de hoje em constante mudança exige não só conhecimento, mas também habilidades e competências para além do conhecimento. A necessidade de adaptação é rápida e constante.

A Escola, ontem, tinha a missão de desenvolver saberes para um mundo conhecido.

Hoje, a Escola, para construir autonomia para o futuro, para um mundo desconhecido, deve colocar as “aprendizagens no centro da vida escolar” [Matias Alves (2022)], assente em quatro pilares fundamentais: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, aprender a conviver.

O foco da Escola passa a ser a renovação constante das competências do aluno para a vida, como um todo.

Queremos educar uma nova geração de pensadores e criadores.

Neste sentido, a Escola deve desenvolver duas dimensões – uma, de natureza ecológica, ambiental e climática; outra, de natureza educacional, que promova uma visão participativa dos alunos e os prepare para obterem competências-chave como: comunicação (partilhar conhecimento, questões, ideias e soluções); colaboração (trabalhar em equipa para alcançar os objetivos, através de talento, experiência e inteligência); pensamento crítico (procurar situações/problemas e idealizar/propor soluções, ligando as aprendizagens aos assuntos/temas e às disciplinas); criatividade (experimentar novas abordagens para fazer coisas inovadoras e inventivas), curiosidade, adaptabilidade, literacia no uso e acesso à informação, investigação e pesquisa, literacia mediática, cidadania digital, operações e conceitos em TIC, flexibilidade, auto-orientação, produtividade, liderança e responsabilidade.

Mas, no atual contexto de incertezas de um Mundo em transformação, precisamos de escolas que sejam também, e muito, um lugar de Felicidade, onde existam espaços e tempos de Sentir & Saber (Damásio, 2020) e onde se tenha presente que, para se aprender, é de todo necessário Emoção e Afetividade.

A escola do futuro que começa já hoje deve fomentar uma cultura servidora, ativa, colaborativa, inovadora.

Como desafios-compromissos estratégicos de intervenção/ação imediata que se colocam à Escola, destacamos, salvo melhor opinião, os seguintes:

  1. Exploração pedagógica das tecnologias digitais como domínio de competência nas práticas escolares, na sua mobilização com intencionalidade pedagógica, no âmbito da planificação curricular e a usar pelos alunos e, ainda, para suporte à expansão organizacional e administrativa da própria Escola.
  2. Recurso a estratégias pedagógicas assentes na forte participação e no envolvimento efetivo dos alunos no modo de fazer aprender e que passam pela utilização diversificada de metodologias ativas de aprendizagem (Aprendizagem baseada em problemas; Aprendizagem baseada em projetos; Pensamento Computacional; Design Thinking e Lean Startup; Aprendizagem Maker; Aprendizagem “gamificada”, entre tantas outras).
  3. Implementar e monitorizar um processo de progressiva construção compreensiva, participada e refletida no seio da cada escola de uma política de avaliação formativa e classificativa (Referencial de Avaliação), para desenvolver o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO) e as Aprendizagens Essenciais (AE) em estreita articulação concetual com o Projeto de Monitorização, Acompanhamento e Investigação em Avaliação (MAIA). Nestes processos, assume particular importância a participação dos alunos na (co)construção das rubricas de avaliação.
  4. Tornar a escola mais inclusiva, no compromisso de todos e de cada um, através do desenvolvimento de práticas de diferenciação pedagógica e de estratégias que respondam à diversidade e heterogeneidade, que respeitem e se dediquem a todos os seus alunos e a cada um deles, que envolva todos (cri)ativamente, para potenciar o talento de cada um. Mas também ser uma escola hospitaleira, onde se recebe bem, se integra, se desafia, se capacita, se puxa para cima, onde se acrescenta valor, se ganha algo; ir mudando, transformando, eliminar barreiras, criar as mais diferentes acessibilidades (nos ambientes educativos, no currículo, na socialização, na autonomia, nos espaços escolares, nos projetos, nas condições de trabalhos de todos, no direito de cada um ser como é…).
  5. Apostar na formação contínua contextualizada à realidade de cada escola, à sua singularidade, que responda ao seu Projeto Educativo, geradora de desenvolvimento profissional vinculante e inovação sustentada nos processos pedagógicos, centrada na efetiva melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos, nomeadamente em relação ao que vem inscrito no PASEO.
  6. Transformar a geometria da Escola: sala de aula sem paredes (potenciar e valorizar os seus espaços interiores e exteriores; operacionalizar a articulação curricular horizontal e vertical; trabalhar os Domínios de Autonomia Curricular, as saídas de campo; trabalhar o currículo articulado com os projetos estruturantes da escola com e na comunidade; trabalhar o currículo articulado com a Biblioteca Escolar da escola); escola sem muros (criar e manter redes de colaboração com o contexto envolvente, através da promoção de sinergias que potenciem a qualidade da Educação, a formação integral dos alunos, a melhoria das suas qualificações e, ainda, o desenvolvimento nos territórios, em áreas como: saúde, desporto, artes, cultura, universidades [cariz científico], empresas e famílias); sala de aula – porta aberta (apostar em práticas de intervisão pedagógica, em contexto de sala de aula, enquanto processo de reflexão e de desenvolvimento profissional e estratégia de identificação e partilha de boas práticas, de métodos de trabalho inovadores e de melhoria das práticas pedagógicas).
  7. Promover uma educação competencial, onde o desenvolvimento das aprendizagens se processe através da reorientação dos processos pedagógicos para o saber fazer e o saber ser. Para o efeito, devem ser criados mais projetos, clubes, oficinas e academias (como, por exemplo, a Academia de Líderes Ubuntu), no seio das escolas.
  8. Orientar de forma flexível e refletida as dinâmicas de trabalho pedagógico, operacionalizadas por equipas educativas em contextos interdisciplinares e transdisciplinares.
  9. Garantir condições para o trabalho colaborativo entre os docentes, de forma sistemática e flexível, criando tempos comuns de trabalho para articulação, planificação e partilha de boas práticas e de materiais pedagógicos.
  10. Simplificar o trabalho dos professores para poderem ter mais tempo para serem professores. Cada escola tem de pensar estrategicamente o trabalho docente. Deve abolir todas as tarefas pedagogicamente inconsequentes. Os professores precisam de mais tempo para a organização, preparação e planificação do trabalho pedagógico e para o trabalho colaborativo (articulação horizontal e vertical) e muito menos burocracia, a qual limita e esvazia a ação educativa e promove a degradação da qualidade de vida profissional e pessoal.
  11. Valorizar e proporcionar tempo de atividade lúdica e criativa, o direito ao brincar e ao aprender a ser ativo e criativo, ao tempo livre, ao lazer, ao bem-estar e à saúde das crianças e jovens, em espaços naturais e nos que se naturalizaram.

À política educativa também se colocam vários desafios-compromissos estratégicos para que a escola do futuro que começa já hoje possa ter maior impacto. Destacamos, entre outros, os seguintes:

  1. Valorizar e dignificar a carreira docente. Dar aos professores a consideração que merecem. Não é possível pensar na concretização de políticas públicas de educação alheadas de profissionais com carreiras estáveis e valorizadas. Um apoio efetivo, de reconhecimento, de valorização, de criação de melhores condições de trabalho pode augurar o sucesso das ‘mudanças’, que deve vir de “cima”. Entretanto, devem ser assegurados processos de otimização e de qualificação dos recursos humanos, promovendo a qualificação para funções especializadas, em particular, de liderança pedagógica intermédia e de supervisão pedagógica, de gestão e de administração educacionais (com particular relevo para as funções do diretor), de direção de turma e de educação inclusiva.
  2. É indispensável atrair os jovens para a formação profissional na docência. Deve apostar-se na recuperação do modelo da “profissionalização em serviço”, numa ligação estreita entre Escola-Universidades. Nos Mestrados e Doutoramentos em Administração Escolar para quem pretende ser diretor, deve criar-se a modalidade de estágio numa escola/agrupamento. A tese a apresentar deverá ser um Projeto de Intervenção na escola. Pode ser aproveitada a experiência e visão de ex-diretores, integrando-os em módulos de formação em áreas específicas. Deve ser criada a carreira de “Diretor de Escola”.
  3. É preciso tempo para os pais poderem ser pais (valorização social da família) e criar condições por quem de direito para que os pais/encarregados de educação possam ver compatibilizados os seus horários de trabalho com a organização e funcionamento da Escola. Encontrar mecanismos para que as famílias sejam responsabilizadas pelos comportamentos dos seus filhos na escola. Atribuir às famílias a quota-parte da sua responsabilidade. Ter em consideração que há pais/encarregados de educação que, para acompanhar os filhos nas tarefas escolares, precisam de condições e formação que não têm.
  4. A descentralização é fundamental como promotora da coesão territorial. É indispensável que seja um instrumento sustentado, com uma geometria própria, que tenha em atenção a escala e as especificidades de cada território, onde cada escola se assuma como um parceiro estratégico de relevo, através de uma real autonomia.

Por último, pode pensar-se que algumas das ações aqui referidas são uma utopia.

No entanto, importa reter que há muitas escolas em Portugal que já estão hoje a iluminar e bem o futuro, pelas suas dinâmicas transformacionais sustentadas na qualidade do trabalho organizacional e pedagógico, fruto da ação das lideranças das suas direções, das lideranças de gestão intermédia e ainda, e muito, pela competente, dedicada e afetiva ação dos seus docentes, que produz um impacto forte e duradouro na vida dos alunos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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