Aves, baleias, krill, espécies invasoras e paisagens únicas: investigadores portugueses desbravam o mundo na Islândia

Portugal e a Islândia podem estar a cerca de 3000 quilómetros de distância, mas há seis investigadores portugueses a ligar os dois países, fazendo do longe perto.

NFS Nuno Ferreira Santos - 05 Julho 2022 -  reportagem na Islandia para acompanhar seis biologos ( investigadores ) portugueses que estao a trabalhar nas areas da biodiversidade ( ambiente ) e das alteracoes climaticas - viagem de norte Raufarhöfn para sul Reiquiavique pela costa este
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Glaciar no Sudeste da Islândia Nuno ferreira Santos
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Camilo Carneiro é um dos cientistas que têm a Islândia como local de trabalho Nuno ferreira Santos
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As planícies do Sudoeste islandês são uma das áreas de estudo dos portugueses Nuno ferreira Santos
NFS Nuno Ferreira Santos - 09 Julho 2022 -  reportagem na Islandia para acompanhar seis biologos ( investigadores ) portugueses que estao a trabalhar nas areas da biodiversidade ( ambiente ) e das alteracoes climaticas -  ponte de leif marcando a fronteira entre a placas tectonicas euro-asiatica e norte-americana
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Falha que marca a ligação das placas continentais americana e europeia Nuno ferreira Santos
NFS Nuno Ferreira Santos - 05 Julho 2022 -  reportagem na Islandia para acompanhar seis biologos ( investigadores ) portugueses que estao a trabalhar nas areas da biodiversidade ( ambiente ) e das alteracoes climaticas - viagem de norte Raufarhöfn para sul Reiquiavique pela costa este
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Uma foca espreita num lago no Sudeste da Islândia Nuno Ferreira Santos

A viagem foi longa e dificultada pela meteorologia: chuva, nevoeiro e temperaturas cada vez mais baixas marcam o caminho, até à localidade mais a norte da Islândia continental: Raufarhöfn, uma aldeia com menos de 200 habitantes e a apenas três quilómetros do Círculo Polar Árctico. Por ali, nestes dias, a temperatura máxima anunciada nos termómetros é seis graus Celsius, pelo que o calor que nos recebe no interior do Hotel Luzes do Norte (um dos dois únicos alojamentos da aldeia) é mais do que bem-vindo. Na recepção, Hólmsteinn Björnsson encanta-se ao descobrir que chegámos de Portugal, país dos vinhos que adora e promove, e quando lhe dizemos que vamos falar com um investigador português que ali vive, o seu rosto abre-se num sorriso: “O Pedro!...”

É mesmo isso. O biólogo Pedro Rodrigues, que há pouco mais de um ano assumiu a direcção do RIF Field Station, um centro de investigação situado na península em que está inserida Raufarhöfn, e que tem como objectivo estudar e monitorizar a paisagem subárctica única da península de Melrakkaslétta, mas também contribuir para a educação e o desenvolvimento local.

Vamos encontrar-nos com ele no dia seguinte, sem que o tempo lá fora dê tréguas, mas, por enquanto, Hólmsteinn Björnsson aproxima-se da mesa onde comemos a primeira refeição quente do dia — o jantar —, com uma garrafa já semivazia de um vinho tinto português. Conhece Portugal, diz, já esteve em Lisboa, no Porto e na Maia, onde está instalada a produção de redes de pesca que utiliza na empresa em que trabalha. Sim, porque ele pode ter um hotel na aldeia mais a norte da Islândia, mas também é pescador. E gosta de vinho português, que faz questão de vender aos clientes do hotel ou àqueles que possam procurar apenas o seu restaurante.

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A viagem foi longa e dificultada pela meteorologia: chuva, nevoeiro e temperaturas cada vez mais baixas marcam o caminho

Convida-nos a terminar a garrafa. Junta-se a nós e diz que quer regressar a Portugal. Desafiamo-lo a ir ao Douro, que ainda não conhece. Depois, levanta-se e regressa com uma garrafa de vinho do Porto quase vazia. “Foi o Pedro que me ofereceu”, diz, antes de distribuir o conteúdo que resta por três copos, oferecendo-nos assim o único vinho que iremos beber na Islândia, onde os preços do álcool são proibitivos.

Pedro Rodrigues só chega na manhã seguinte, bem protegido para as temperaturas que já se habituou a enfrentar — afinal, é Verão, e ele já viveu aqui um Inverno —, e com um bom humor que não o há-de abandonar o dia todo, enquanto nos vamos sentindo cada vez mais enregelados a cada paragem do carro que ele vai conduzindo pelo território que é, agora, também um pouco seu.

O director do RIF é um dos seis investigadores portugueses que estão a trabalhar na Islândia, em áreas diversas, mas com pontos em comum: a biodiversidade e as alterações climáticas. De todos, Pedro Rodrigues é o que se encontra mais isolado, bem lá no Norte, enquanto os restantes cinco têm a sua área de trabalho no Sudoeste do país. Incluindo a sua mulher, a bióloga Joana Micael, que está a investigar as espécies marinhas invasoras, no Instituto de Pesquisa da Natureza do Sudoeste da Islândia, a mais de 600 quilómetros de distância. É preciso atravessar, literalmente, meio país, para se verem.

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Uma andorinha-do-mar-árctico interage com uma cria que se afastou do ninho, na Península de Melrakkaslétta
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José Alves segura ovos de maçarico-de-bico-direito, prestes a eclodir
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A anilhagem de um ostraceiro, pelo biólogo José Alves, permitirá seguir a cria no futuro

Mundo de extremos

Mais perto de Joana Micael estão os outros investigadores cujo trabalho o PÚBLICO foi conhecer: José Alves e Camilo Carneiro, que estudam diferentes espécies de aves limícolas, Filipa Samarra, que procura descobrir mais sobre as orcas e outras baleias que visitam o arquipélago de Vestmannayejar, e Teresa Silva, que não desiste da paixão que tem pelo krill, tema da sua tese de doutoramento, mas está já envolvida em outros projectos no Centro de Pesquisa Marinha e de Água Doce, em Hafnarfjörður, a sul de Reiquiavique.

Chegaram em anos diferentes, têm vínculos diferentes a diferentes instituições — José Alves, Camilo Carneiro e Filipa Samarra trabalham com a Universidade da Islândia —, mas têm algo em comum: encontraram ali a oportunidade e o terreno propício a desenvolverem as pesquisas que os apaixonavam ou que procuravam expandir. José Alves e Camilo Carneiro só passam ali temporadas ao longo do ano, quando é preciso fazer o trabalho de campo relacionado com a nidificação das espécies que estudam. Mas Filipa Samarra e Teresa Silva já ali vivem há anos e não se imaginam a voltar para Portugal. Por seu lado, Pedro Rodrigues e Joana Micael ainda estão a avaliar como pode ser o futuro, mas confessam-se muito inclinados a não abandonar a Islândia, depois de já terem experimentado trabalhar em Portugal e no Chile.

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Cavalos em Vestmannayejar
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Cone de um vulcão adormecido, durante a viagem para Raufarhöfn, uma aldeia com menos de 200 habitantes e a apenas três quilómetros do Círculo Polar Árctico
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Papagaio-do-mar em Vestmannayejar

Fomos conhecê-los a todos e perceber como o seu trabalho nos está a ajudar a perceber as mudanças do mundo em que vivemos e que ali, naquela ilha isolada no meio do Atlântico Norte, são já bem visíveis.

É um mundo de extremos, onde um icebergue pode aparecer do nada ou baleias serem lançadas para terra, e aí morrerem, por tempestades que são cada vez mais frequentes e um mar que vai crescendo e engolindo antigas lagoas de água doce. Em que as aves se adaptam para chegarem na altura certa, num local em que a Primavera parece começar cada vez mais cedo, influenciando todo o ciclo de crescimento em redor. Em que se descobrem espécies de baleias em locais onde antes nunca tinham sido vistas, provavelmente porque a mudança na temperatura do mar está a levar também para novas localizações os animais de que se alimentam. E em que esse mesmo mar, mais quente, já permite a reprodução de invertebrados marinhos não-indígenas, que estão a invadir os portos islandeses, ao mesmo tempo que pode estar a contribuir para o declínio do krill, base da cadeia alimentar do universo marinho islandês, incluindo baleias e bacalhau.

As suas histórias, em mais pormenor, serão contadas ao longo das próximas semanas no site Azul e nas páginas da Ciência e Ambiente da edição impressa do PÚBLICO.

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Pedro Rodrigues dirige o RIF há pouco mais de um ano

Pedro Rodrigues
Biólogo

A dirigir o RIF desde Maio de 2021, Pedro Rodrigues já se habituou à solidão do Subárctico, onde trabalha todos os dias para proteger uma paisagem única e cada vez mais afectada pelas alterações climáticas. Com cerca de 20 projecto em curso, próprios ou em parceria, o RIF tem também como função dar apoio a investigadores e ajudar ao desenvolvimento local da aldeia mais a norte do país.

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Filipa Samarra estuda orcas e outras baleias

Filipa Samarra
Bióloga marinha

Segundo os pais, desde os cinco anos que Filipa Samarra proclamava que iria ser bióloga marinha e estudar baleias. Hoje trabalha com a Universidade da Islândia e dedica muito do seu tempo a estudar as orcas do arquipélago de Vestmannayejar, incluindo a sua área preferida: a sua comunicação. A baleia-azul, as baleias-de-bossa e as baleias-piloto são outras presenças habituais no local, ainda que as últimas só recentemente, e também requerem a atenção da portuguesa.

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Camilo Carneiro está a desenvolver um pós-doutoramento sobre maçaricos-galegos

Camilo Carneiro
Biólogo

A desenvolver um pós-doutoramento na Universidade da Islândia, Camilo Carneiro passa o Verão à procura de ninhos e crias de maçarico-galego, uma limícola que anualmente realiza a migração entre a ilha e o Oeste de África, numa viagem de mais de cinco mil quilómetros, sem parar. O investigador está a estudar a relação desta espécie com o alimento disponibilizado nas planícies do Sudoeste da Islândia, nomeadamente, as bagas-corvo e alguns invertebrados, tentando determinar a sua importância no ciclo migratório das aves.

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Teresa Silva descobriu que a população de krill está a decair, sobretudo no Sul da Islândia

Teresa Silva
Bióloga marinha

A investigadora está na Islândia desde 2007 e foi ali que fez o doutoramento sobre a ecologia do krill na Islândia. Ainda que este crustáceo continue a ser a sua “paixão”, hoje o trabalho no Instituto de Pesquisa Marinha e de Água Doce ocupa-a com outras áreas, como descobrir o que há na camada mesoplágica do oceano, no âmbito de um projecto europeu.

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Joana Micael está a tentar perceber como espécies marinhas invasoras estão a desenvolver-se no país

Joana Micael
Bióloga marinha

No Centro de Pesquisa da Natureza do Sudoeste da Islândia, Joana Micael dedica-se particularmente a estudar as espécies não indígenas marinhas que estão a tomar conta dos portos do país. O aumento da temperatura das águas, que deverá ser ainda mais acentuado nos próximos anos, está a potenciar a proliferação destas espécies e a pôr em risco a biodiversidade local.

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Maçaricos-de-bico-direito, falaropos e ostraceiros são os principais alvos de estudo de José Alves

José Alves
Biólogo

Desde 2006 que José Alves passa parte da Primavera e do Verão na Islândia a acompanhar a nidificação de várias espécies de limícolas. O seu principal alvo de estudo sãos os maçaricos-de-bico-direito, mas hoje o seu trabalho enquanto investigador convidado da Universidade da Islândia estende-se a outras espécies, como falaropos ou ostraceiros. As migrações destas aves, bem como a estabilidade das espécies e o sucesso da reprodução são alguns dos aspectos que segue.


Este trabalho integra um conjunto de reportagens realizadas com o apoio das EEA Grants

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