A maior parte da área agrícola do mundo é para a alimentação animal

O consumo de carne duplicou em duas décadas e, apesar de algum abrandamento, mantém a tendência para crescer.

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Desflorestação na Amazónia Bruno Domingos/Reuters

No debate sobre como se pode alimentar perto de dez mil milhões de pessoas em 2050, surge frequentemente a questão do consumo de carne – que duplicou no mundo nos últimos 20 anos, atingindo 320 milhões de toneladas em 2018 e que se prevê que aumente mais 13% até 2028, segundo o Meat Atlas 2021, elaborado pela fundação Heinrich Böll Stiftung.

A organização ecologista Greenpeace denunciou em 2019 o facto de 71% dos solos agrícolas da União Europeia (125 milhões de hectares na altura) serem usados para a alimentação animal, o que coloca o bloco europeu entre os maiores produtores do mundo, com uma média anual de 23 mil toneladas só de carne de porco (a China produz 50 mil).

Se olharmos para o resto do planeta, a situação tende a ser pior. Calcula-se que o Brasil, um dos principais exportadores de carne, tenha entre 150 a 200 milhões de hectares dedicados à produção e/ou alimentação animal, refere o Meat Atlas.

O mesmo documento mostra que mais de um terço das plantações do mundo “acabam no estômago dos animais” (apenas 40% são para consumo humano e as restantes para energia e outros usos industriais), incluindo mil milhões de toneladas de soja (a principal componente das rações) e de milho. A soja é produzida sobretudo por três países: Brasil (133 milhões de toneladas), Estados Unidos (117 milhões) e Argentina (53 milhões).

“Dado que a procura [e o consumo de carne] está a crescer, e há dificuldade em aumentar a produtividade nas actuais áreas agrícolas, é necessária mais terra para produzir soja”, alerta o relatório, sublinhando que o cultivo de soja é “o segundo maior responsável pela desflorestação no mundo, a seguir às pastagens para gado”, um cenário particularmente dramático no Brasil e na Argentina.

No caso do Brasil, os limites impostos à desflorestação na Amazónia fizeram com que a produção de soja se deslocasse para outro território que é uma reserva de biodiversidade (agora sob ameaça crescente), o cerrado.

O trabalho da Heinrich Böll Stiftung cita ainda um estudo de 2020 da revista Science que revela que 20% da soja exportada para a UE da Amazónia e do cerrado brasileiros é proveniente de terra que foi desflorestada de forma ilegal. Ou seja, “o consumo de carne na Europa está directamente ligado à desflorestação no Brasil”, denuncia.

Em Portugal, a produção de carne em 2021 foi de 911 mil toneladas, de acordo com as recentemente divulgadas Estatísticas Agrícolas do INE. Este número reflecte um aumento de 1% em relação a 2020. Por outro lado, as mesmas estatísticas, no ponto relativo à balança alimentar em Portugal, mostram que em 2020 o consumo de carne, peixe e ovos continuou a estar bastante acima da média recomendada: 16,9%, quando a roda dos alimentos estabelece 5%.

Os vegetais e frutas estão abaixo da recomendação (14,4% de vegetais contra 23% e 15,3% de fruta contra 20%), mas são sobretudo as leguminosas (que são também fonte de proteína) que ficam verdadeiramente mal na fotografia: representam apenas 0,7% do prato dos portugueses contra os 4% recomendados.

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