Os direitos das pessoas trans não são uma trend ideológica

O Conselho da Europa denota que, apesar da crescente visibilidade das questões LGBTQI+, o “discurso antigénero” tem perigosamente crescido.

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"As pessoas trans, mas também todas as do espectro LGBTI, estão constantemente a ter de justificar o seu espaço na sociedade" Steve Johnson/Unsplash

Recentemente, abriu-se espaço, na comunicação social, para artigos de opinião que, com pretensioso humor ou na falta (deliberada ou não) dele, fragilizam (ainda mais) a realidade de muitas pessoas, que, todos os dias, enfrentam desafios acrescidos por serem quem são.

Em 2018, o Parlamento da União Europeia chamou a atenção para o “impacto significativo” que os meios de comunicação social têm nas “normas culturais de género” e de como, em muitos casos, contribuem para representações sociais estereotipadas que afetam, de modo nocivo, a realidade das pessoas LGBTQI+, contribuindo para que o público considere essas “representações como legítimas, impedido ou dificultando o seu questionamento”.

Nesta recomendação, salienta-se “o papel dos meios de comunicação social, como agente de mudança social”, notando que “embora as ações reguladoras estejam sujeitas às considerações do princípio da liberdade de expressão, a liberdade editorial não deve, em circunstância alguma, servir para promover ou legitimar representações depreciativas das mulheres e das pessoas LGBTI”. Portanto, não vale tudo. E há uma razão de ser.

As pessoas trans – um termo guarda-chuva que permite albergar quem vive a sua identidade e expressão de género de modo distinto das expectativas sociais predominantes com base no sexo de nascença –, mas também outras realidades do espetro LGBTQI+, estão constantemente a ter de justificar o seu espaço na sociedade.

Subsiste a ideia de que há uma trend. De que, agora, de rompante, estas pessoas exigem (novos) direitos, subvertendo ideias “naturais” e estabilizadas do que é ser-se homem ou mulher. Chamam a isto, sem explicarem muito bem o que é, de “ideologia de género”. Não deveria ser necessário recordar que estas realidades não são novas, nem tampouco lembrar que os direitos que as pessoas trans reivindicam são os mesmos de que gozam os outros indivíduos, mas que àquelas ainda não estão a ser (plenamente) reconhecidos.

A trend é, portanto, outra: a de lhes negar direitos – a provar o contrário, está a recente decisão do Tribunal Constitucional espanhol que se junta a outras semelhantes na Europa e não só.

Num relatório de junho, o Conselho da Europa denota que, apesar da crescente visibilidade das questões LGBTQI+, o “discurso antigénero” tem perigosamente crescido. Como aponta, estas narrativas, que incluem a rejeição das pessoas trans, propagadas por figuras e líderes políticos e religiosos, mas também pelos meios de comunicação social e pela Internet, têm contribuído para o incremento da violência, da discriminação, da exclusão na vida pública e da limitação no acesso a serviços, como educação, cuidados de saúde, habitação e emprego, além de obstruírem a superação de estereótipos de género como um todo, prejudicando a coesão da sociedade.

Estas realidades não podem estar, pois, sujeitas ao escrutínio de desinformadas opiniões. Ignorar a factualidade da sua existência e a profusão de contributos (da Biologia, do Direito, da Psicologia, etc.) postos em discussão mundial é desconsiderar, de modo deliberado, uma questão de direitos humanos.

A autora escreve segundo o acordo ortográfico

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