Há bactérias que se alimentam de substâncias libertadas pelo plástico

Estudo analisou o comportamento das comunidades de bactérias de lagos da Escandinávia na presença da poluição derivada de plástico.

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Lago da Noruega onde a equipa recolheu amostras da água para realizar a experiência Samuel Woodman

Os plásticos estão cheios de aditivos: substâncias acrescentadas durante a confecção destes materiais que conferem diferentes propriedades. No entanto, essas substâncias acabam por se libertar facilmente do plástico e vão parar ao meio ambiente, podendo ter efeitos tóxicos e desreguladores nos seres vivos. Um novo estudo foi analisar se as comunidades bacterianas existentes em lagos na Escandinávia conseguiriam alimentar-se e crescer a partir de compostos libertados de sacos de plásticos. Os resultados mostram que sim. As bactérias usam os compostos para se alimentarem e crescem mais depressa, de acordo com o artigo publicado nesta terça-feira, na Nature Communications.

“É quase como se a poluição proveniente do plástico aumentasse o apetite das bactérias”, avança Andrew Tanentzap, investigador da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e autor sénior do artigo. A disseminação do plástico no ambiente está generalizada e já se transformou num problema de saúde pública. A equipa de Andrew Tanentzap tem estudado o impacto do plástico em ambientes lacustres na Europa. Em 2021, os investigadores publicaram um artigo na revista PLOS Biology onde associavam a actividade humana existente à volta dos lagos com o aumento significativo de microplásticos nesses mesmos lagos.

Desta vez, foram tentar entender a capacidade de resposta das comunidades bacterianas à poluição do plástico. “Estudamos como os micróbios usam a matéria orgânica e quais são as consequências para as teias alimentares e para o ciclo do carbono”, explica Andrew Tanentzap por e-mail ao PÚBLICO. “Se virmos as coisas a partir da lente da ‘biogeoquímica’, o plástico [descartado para o ambiente] não é mais do que outro substrato orgânico – só que desta vez é de origem antropogénica. Sabemos que os micróbios estão muito adaptados ao uso de matéria orgânica no ambiente natural. Por isso, queríamos saber se eles poderiam fazer a mesma coisa com uma versão ‘antropogénica’ [da matéria orgânica].”

Para isso, recolheram a água de 29 lagos existentes na Escandinávia. Estes lagos têm diferentes tamanhos e profundidades, e as respectivas águas revelaram propriedades diferentes em termos da temperatura média, do pH, da quantidade de matéria orgânica. Além disso, continham comunidades bacterianas distintas.

Pedacinhos de plástico como isco

Depois, os investigadores cortaram sacos de plástico em pedaços pequenos de um centímetro quadrado. Os pedacinhos de plástico foram mergulhados numa água a 25 graus Celsius e submetidos a um tratamento de raios ultravioleta durante sete dias. Este processo serviu para imitar os fenómenos sofridos pelo plástico no meio-ambiente, como a luz solar e os elementos do clima, que vão degradando aquele material, fazendo com que ele liberte substâncias para o meio ambiente através da lixiviação.

Ao todo, os investigadores detectaram 855 fórmulas moleculares lixiviadas do plástico. O número não equivale a 855 moléculas diferentes, explica o artigo. Quando se identifica a fórmula molecular de uma substância, apenas se determina o número de átomos de cada elemento existente numa molécula. A sua estrutura – ou seja, como é que os átomos estão ligados entre si e qual a sua configuração – ficou por descobrir.

Por isso, duas moléculas com os mesmos átomos, mas com estruturas diferentes, foram contabilizadas como tendo a mesma fórmula molecular. Entre aquelas moléculas, estão substâncias adesivas, plastificantes, solventes, lubrificantes e outras.

De seguida, os investigadores aplicaram uma determinada quantidade de água com as substâncias lixiviadas dos sacos de plástico nas amostras de água dos 29 lagos. Por fim, esperaram durante 72 horas para observar a reacção das comunidades bacterianas de cada amostra.

A equipa descobriu que, em alguns casos, o crescimento bacteriano mais que duplicou após se acrescentar as substâncias poluentes, que fizeram aumentar o nível de carbono na água em 4%. Por outro lado, cerca de metade do carbono vindo das substâncias lixiviadas foi incorporado pelas bactérias. No entanto, o crescimento bacteriano foi mais notório nas amostras de lagos com menos matéria orgânica disponível e onde a comunidade bacteriana era mais variada.

Embora a diversidade das substâncias existentes na matéria orgânica natural fosse muito maior do que a das substâncias provenientes do plástico, foi mais fácil para as bactérias alimentarem-se a partir das substâncias poluentes. Esta descoberta permitiu aos cientistas inferir que os poluentes têm uma estrutura mais disponível para os microorganismos. No entanto, de todos os poluentes libertos dos sacos de plástico, os cientistas não sabem quais os que estão a ser degradados pelas bactérias. “​Não é fácil rastrear individualmente as moléculas através das bactérias”, explica Andrew Tanentzap. ​

O possível lado tóxico

“As bactérias usam primeiro o plástico como alimento, porque é fácil de degradar, e depois são capazes de degradar alimentos mais difíceis, como a matéria orgânica natural que existe nos lagos”, diz Andrew Tanentzap, num comunicado da universidade. “Isto sugere que a poluição do plástico está a estimular toda a teia alimentar dos lagos, já que a existência de mais bactérias significa mais alimentos para grandes organismos como os peixes e os patos.”

Isto significa que podemos deixar de nos preocupar com o plástico no ambiente? “Não!”, responde-nos o investigador. “Se mais nada reforça a importância de reduzir a poluição por plástico porque pode trazer consequências inesperadas para ecossistemas inteiros. Além disso, alguns dos compostos identificados que se libertam dos sacos de plástico são contaminantes emergentes preocupantes, como os ftalatos”, explica o investigador. Entre vários possíveis efeitos negativos para a saúde humana, os ftalatos são capazes de interferir com o sistema endócrino. “Não sabemos como este tipo de compostos podem estar a acumular-se nas teias alimentares.” ​

Das várias bactérias identificadas pela equipa, as do género Deinococcus e Hymenobacter parecem especialmente capazes de digerir as substâncias lixiviadas. Esta contabilização pode vir a ser importante para lutar contra a poluição. “Infelizmente, o plástico vai poluir o nosso ambiente durante décadas”, refere David Aldrige, investigador da Universidade de Cambridge que também esteve envolvido no trabalho. “O lado positivo é que o nosso estudo pode ajuda a identificar micróbios que podem ser aproveitados para degradar o plástico e gerir melhor a poluição ambiental”, explica.

“Uma das limitações do nosso estudo é que usámos apenas um tipo de plástico – aquele que é mais comum de se encontrar em reservatórios de água doce”, admite, por sua vez, Andrew Tanentzap ao PÚBLICO. Ainda assim, defende a importância do trabalho. “Primeiro, identificámos tipos de bactérias que podem ser explorados [para limpar a poluição por plástico], como nos tratamentos feitos para melhorar a qualidade da água para se beber. Em segundo lugar, as intervenções de restauração são sempre limitadas pelos recursos que existem. Não podemos salvar todos os lagos. Os nossos resultados sugerem que os lagos com maior concentração de matéria orgânica natural e com menos diversidade de bactérias necessitam de mais ajuda para limpar a poluição por plástico.”

Mas há muitas perguntas ainda por responder. Por um lado, os autores não sabem se as bactérias que agora foram identificadas como boas degradadoras das substâncias lixiviadas também serão eficazes em digerir o plástico em si. Por outro lado, pode haver um problema se houver muito plástico no ambiente. “Os nossos resultados também sugerem que altas concentrações de plástico lixiviado podem pôr em causa o crescimento bacteriano porque adicionam [ao ambiente] grandes quantidades de compostos tóxicos”, lê-se no artigo.

O melhor, por isso, será evitar desde logo que o plástico seja descartado para o ambiente, avisa Eleanor Sheridan, primeira autora do artigo: “Esperemos que os nossos resultados encorajem as pessoas a serem ainda mais cuidadosas na forma como deitam fora o lixo.”

Notícia actualizada com as declarações que o investigador deu ao PÚBLICO.

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