Como as famílias podem enfrentar a crise climática desperdiçando menos comida

A crise climática parece quase impossível de reverter, mas reduzir o desperdício alimentar (em família) pode ser uma óptima forma de tentar ajudar o ambiente. Ninguém consegue salvar a Terra sozinho. Mas todos os esforços conscientes para a ajudar são bem-vindos.

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Um dos espaços da Fruta Feia, que vende fruta da época e legumes que supermercados não compram a agricultores Nelson Garrido

Jenna Knauss, uma mulher de 35 anos que é mãe de duas gémeas de nove anos, demorou a tentar reduzir a quantidade de lixo que a família produz. “Acho que posso falar pela maioria dos pais quando digo que o meu maior medo era acrescentar mais uma coisa às nossas vidas já de si ocupadas”, diz a psicoterapeuta norte-americana. “A vida é bastante dura e nós somos apenas uma família: já não temos preocupações que cheguem?”

Knauss mudaria de postura, contudo. “Ao mesmo tempo que falava às minhas filhas das minhas preocupações sobre o futuro do planeta, adiava o momento de mudar a sério. Senti que era uma hipócrita”, revela. “Em vez de continuar simplesmente a falar, decidi começar a mostrar como é que se pode reduzir a produção de lixo doméstico”, acrescenta a psicoterapeuta, que, com o resto da família, tem feito um esforço para desperdiçar substancialmente menos comida.

Ninguém consegue salvar a Terra sozinho. Mas todos os esforços conscientes para a ajudar são bem-vindos. Ao mesmo tempo que esses esforços são benéficos para o planeta, são pedagógicos para os mais novos.

A crise climática parece quase impossível de reverter, mas reduzir o desperdício alimentar (em família) pode ser uma óptima forma de tentar ajudar o ambiente.

“É indiscutível que, quando se trata de eliminar o desperdício, a área mais significativa para melhorias é a comida”, diz Christopher Wharton, da Universidade do Arizona (Estados Unidos). “À medida que a comida se decompõe, são produzidos tantos gases retentores de calor que, se o desperdício global de alimentos fosse um país, seria o quarto maior emissor [de gases com efeito de estufa (GEE)] do mundo”, comenta, por seu turno, Katharine Hayhoe.

A cientista da organização internacional The Nature Conservancy dá uma sugestão: “Se puder, vá ao supermercado com mais frequência e, de cada vez que lá vai, compre menos alimentos, para desperdiçar menos.”

No ano passado, a cidade de Phoenix colaborou com Christopher Wharton na realização de um estudo para reduzir o desperdício alimentar (Phoenix pretende chegar a 2050 sendo uma cidade “zero desperdício”). Tendo constatado que não há apenas uma abordagem para limitar o desperdício com sucesso, o investigador incentiva as pessoas a tentar aquilo que funciona para elas. “As pessoas preocupam-se com mudanças comportamentais de diferentes formas e por diferentes motivos”, afirma.

Wharton e sua equipa começaram por dizer aos participantes do estudo que, todos os anos, são produzidos nas habitações norte-americanas 45 milhões de toneladas de resíduos alimentares. No âmbito do estudo, foram dados caixotes do lixo transparentes a 60 famílias, que neles foram depositando o lixo gerado diariamente. Uma vez por semana, o peso dos caixotes era medido. O valor dado pela balança era, posteriormente, comunicado aos investigadores, que davam dicas sobre como os participantes podiam reduzir o desperdício.

Os resultados do estudo revelaram que as famílias participantes reduziram o desperdício alimentar em mais de 25%. Christopher Wharton disponibilizou as dicas que ia dando no site do Instituto Global de Sustentabilidade e Inovação, da Universidade do Arizona.

Entre evitar o plástico e ter um “kit portátil”, amigo do ambiente

Uma forma de reduzir a nossa pegada carbónica passa por adoptar um estilo de vida “desperdício zero”. Isso não significa que, efectivamente, criemos zero resíduos — isso é impossível. Ter um estilo de vida “desperdício zero” significa pensar sobre e reduzir os nossos consumos, bem como reduzir a quantidade de lixo que, posteriormente, acaba por ir parar a aterros sanitários.

​“Tentar viver uma vida ‘desperdício zero’ ao mesmo tempo que se cria uma família pode parecer impossível, mas não é”, diz a ambientalista Anita Vandyke. “Ser uma família ‘desperdício zero’ significa fazer o que é possível fazer, quando é possível fazê-lo.”

Não conseguimos reduzir a nossa produção de resíduos do dia para a noite, mas podemos reduzir a nossa pegada carbónica fazendo algumas mudanças. Sabendo que os pais estão constantemente preocupados com as necessidades dos seus filhos, os dilemas do trabalho e, também, o dinheiro, Anita Vandyke escreveu o livro A Zero Waste Family para partilhar as lições que aprendeu enquanto entrava no mundo da maternidade.

Quando o assunto tem que ver com alimentos e as embalagens em que eles vêm, a autora sugere que que as famílias comprem de forma mais inteligente, vasculhando os corredores dos supermercados e as lojas a granel em busca de alimentos sem embalagens. Globalmente, as embalagens constituem a maior fonte de resíduos plásticos.

Anita Vandyke também sugere que as famílias façam compostagem em conjunto e, ainda, que todos tenham um “kit portátil”, do qual constem um saco de pano reutilizável, uma garrafa de água reutilizável, uma chávena de café, uma palhinha de aço inoxidável, um garfo e um guardanapo de pano.

Também é importante que, sempre que possível, façamos compras em supermercados ou estabelecimentos que tenham uma boa política ambiental. Grahame Hubbard, pai de duas filhas adolescentes (têm 13 e 14 anos, respectivamente), sabe bem do impacto que o lixo doméstico pode ter no ambiente. “Cresci na Austrália, num barco de pesca em que não se desperdiçava nada, e apercebi-me muito cedo do problema que é a escassez de alimentos.”

Grahame Hubbard considera essencial que as filhas façam os possíveis para evitar produzir resíduos em quantidade excessiva. As preocupações ambientais desta família fizeram-na procurar empresas que reciclem alimentos que, de outra forma, acabariam num aterro sanitário. A família dá o exemplo da ReGrained, empresa alimentar que, diz Hubbard, faz misturas para brownies a partir de grãos usados na produção de cerveja.

Em Portugal, existe, por exemplo, o projecto Fruta Feia, que existe desde 2013 e procura vender, a preços baixos, cabazes de fruta da época e legumes que, por terem um aspecto imperfeito, agricultores locais não conseguem vender a supermercados.

Durante a pandemia, Grahame Hubbard e as filhas colocaram prendas à porta dos vizinhos: sacos de pano reutilizáveis, com cartões caseiros e bulbos de narcisos. Depois, a família ajudaria esses mesmos vizinhos a plantar videiras de batata. “O gesto construiu uma comunidade”, observa Hubbard, dizendo que os vizinhos acabaram por ficar mais interessados em compostagem. “Não pude deixar de pensar que o mundo seria um lugar muito melhor se, em todo o lado, simplesmente conseguíssemos deixar as pessoas entusiasmadas relativamente a compostagem e jardinagem.”

Jenna Knauss descobriu que adoptar um comportamento ecologicamente correcto com um passo de cada vez permitiu que as filhas entendessem o impacto das suas acções. “Muitas vezes, pensamos que temos que esconder as nossas imperfeições dos nossos filhos. Eu disse às minhas filhas que não sabia como abordar um problema tão grande. Acabei por convidá-las a resolver problemas em família.”

A família da psicoterapeuta criou um desafio para reduzir ainda mais o seu desperdício. “Decidimos pesar o nosso desperdício alimentar antes e depois de começarmos a medir o progresso. Actualmente, as nossas conversas giram em torno do contraste entre aquilo que queremos e aquilo de que efectivamente precisamos”, diz, sublinhando que, agora, a família também passou a celebrar marcos importantes com experiências, ao invés de com prendas materiais.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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