A vida continua

A morte dos avós, seja um ou sejam os quatro, constitui em si mesma uma orfandade, apenas uma orfandade de que não estamos habituados a falar numa sociedade que tende a ostracizar a figura do idoso no domínio público.

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Vidar Nordli-Mathisen/Unsplash

É uma realidade biológica inegável que a vida não dura para sempre: algum dia cessarão os batimentos do coração e o nosso corpo inerte entrará na frieza e na rigidez da morte. Porém, é incomum conhecer a nossa morte antes de vivermos a morte de outrem, geralmente mais velho, frequentemente os nossos avós.

Neste sentido, invocamos novamente uma verdade que, desafortunadamente, nem sempre corresponde à realidade: os avós devem ser parte integrante, fundamental e imprescindível na vida dos netos. Regra geral, e com natural abertura a excepções que possam existir, consideramos desumano privar uma criança da presença dos seus avós, educadores e cuidadores tão preponderantes no seu desenvolvimento como o são os pais e, por vezes, por apresentarem uma maior disponibilidade em relação aos primeiros, mais ainda que estes.

Assim, quando a vida completa o seu ciclo e os avós morrem, o sofrimento desta perde emerge e nunca mais desaparece. A vida ao lado dos avós, apesar dos vagares devidos à fragilidade provocada pela idade avançada, é sempre muito intensa, tem que se viver muito em pouco tempo; a morte é vivida com a mesma intensidade na dor e na tristeza, precisamente porque se exige muito dos netos em pouco tempo, porque exige um luto que se complete em apenas dois dias, mesmo sabendo que essa perda perdurará para sempre.

A morte dos avós, seja um ou sejam os quatro, constitui em si mesma uma orfandade, apenas uma orfandade de que não estamos habituados a falar numa sociedade que tende a ostracizar a figura do idoso no domínio público. A orfandade tem sempre um sentido de desamparo, de privação e de abandono, e é impossível não experienciar esses sentimentos aquando da morte dos avós, pelo que consideramos, novamente, desumano a desconsideração política, social, psicológica e médica com que é tratado um indivíduo que perde os avós, sendo alvo apenas de frases feitas como “força” ou “a vida continua”.

Sim, de facto, é preciso ter força para continuar a vida perante esta situação em que muitos indivíduos se sentem isolados e abandonados pelo mundo, recolhendo-se à solidão e ao silêncio dos seus próprios pensamentos, fazendo o luto sozinhos e desamparados, agora que são órfãos não reconhecidos por um mundo que tende a desprezar o sofrimento e a tristeza de um neto que perdeu os seus avós, que perdeu uma porção de si mesmos. Mas, como nos dizem, a vida continua...

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