A fraude intelectual do pensamento pós-moderno

O pensamento pós-moderno, e o activismo que dele decorre, nunca demonstrou qualquer utilidade para os oprimidos que afirma defender. Pelo contrário.

Tem sido publicada nestas páginas uma polémica que, partindo de um texto de José Pacheco Pereira, suscitou diversas reacções. Um dos lados dessa polémica defende a ideia da “opressão pela linguagem”, procurando fazer passar conceitos e formas de falar que têm a sua raiz no pensamento pós-moderno, que, sendo uma obscura corrente académica, tem hoje importantes implicações no activismo.

O pensamento pós-moderno opõe-se ao pensamento moderno, a forma de pensar surgida com a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII, segundo a qual se podem estabelecer novos factos com base em provas, quer dizer, é possível produzir conhecimento novo. Esta perspectiva foi aprofundada com o Iluminismo, tendo-lhe sido adicionada uma dimensão humanista: devemos usar a ciência e, de um modo mais geral, a razão para melhorar as condições de vida de todos os seres humanos.

Os resultados são impressionantes: existem hoje, em número absoluto, menos pessoas no mundo que vivem em pobreza extrema do que no início do século XIX, apesar de a população ser cerca de sete vezes maior do que nessa altura. Vivemos mais, temos em média mais rendimentos, homens e mulheres frequentam a escola durante mais anos e temos acesso a melhores cuidados de saúde, que se traduzem, por exemplo, numa menor mortalidade infantil e no controlo de várias doenças infecciosas através da vacinação. Não obstante existirem inúmeras coisas a melhorar, o mundo está cada vez melhor.

O pensamento pós-moderno, que tem uma visão mais cínica das coisas, assenta em dois princípios. O primeiro é o de que não é possível obter conhecimento objectivo. Este princípio vai contra todos os avanços da ciência. O segundo princípio assume que a sociedade é formada por sistemas de poder e hierarquias que determinam o que pode ser conhecido e como. Dito de uma maneira mais crua: a ciência e a racionalidade são invenções dos homens ocidentais heterossexuais, com o objectivo de perpetuar o seu próprio poder e marginalizar formas não científicas e não racionais de produção de conhecimento. Deveria ser inútil rebater esta ideia, de tão absurda que ela é.

Apesar das suas falhas, a ciência e a racionalidade produziram um entendimento do mundo que é verificável empiricamente e que tem resultados óbvios: conseguimos prever a passagem de cometas, construir telemóveis e fazer vacinas para a covid-19.

É à luz destes dois princípios que podemos entender alegações como a de que não existem apenas dois sexos biológicos. Um dos temas do pensamento pós-moderno é o esbatimento de fronteiras definidoras, recusando à biologia qualquer papel na definição de conceitos como homem ou mulher, categorias que, no quadro desse pensamento, são socialmente construídas.

Outro aspecto do pensamento pós-moderno é a ideia que os grupos oprimidos (as mulheres, os negros, os homossexuais, as pessoas obesas ou qualquer pessoa com uma combinação das anteriores) possuem um conhecimento vivencial próprio, que se sobrepõe à ciência e à racionalidade. Esta ideia pode-se traduzir em assumir a deficiência como uma identidade (recusando tratamentos para a surdez, por exemplo) ou rejeitar a existência de problemas de saúde decorrentes da obesidade (medicalizar a obesidade seria uma agressão à identidade).

Mais: estas afiliações identitárias são usadas para empoderar esses grupos, estabelecendo uma hierarquia baseada no opressão e no privilégio, na qual, por exemplo, uma mulher negra “cis” deve reconhecer o seu privilégio face a uma mulher negra “trans”. Há casos complicados, como comparar uma mulher negra heterossexual com um homem negro homossexual – quem é o privilegiado aqui?

Os teóricos pós-modernos inventarão uma resposta, se é que não têm já uma. A questão é que essa hierarquia, assim como todos os aspectos do pensamento pós-moderno, são apenas efabulações teóricas muito desligadas da realidade. As crenças pós-modernas não são comprováveis, pois os seus arautos não aceitam testes que se lhes possam fazer para verificar se elas são verdadeiras ou falsas. Por exemplo, a afirmação de que todos os brancos são racistas, mesmo que não o saibam, pois tem “ângulos mortos”, é uma afirmação não comprovável: não há nenhuma observação ou experiência que se possa fazer que tenha a capacidade de demonstrar que ela é falsa. Claro que a ciência e a racionalidade são, para os teóricos pós-modernos, apenas formas de manter os homens brancos no poder, eles são insensíveis a quaisquer argumentos científicos ou sequer racionais.

Os grandes avanços nos direitos dos negros, das mulheres e dos homossexuais são anteriores a este tipo de pensamento, tendo raízes no Iluminismo e um forte impulso com os movimentos dos direitos civis nos Estados Unidos. Estes avanços, em grande parte ocorridos nas décadas de 1960 a 1990, assentam na ideia de que todos somos iguais em direitos e dignidade, independentemente de sexo, cor da pele (não há raças humanas) ou orientação sexual. São abordagens universalistas e não sectárias. O sexismo, o racismo ou a homofobia são cada vez mais inaceitáveis nas sociedades modernas. É este caminho que importa prosseguir, porque foi ele que alcançou resultados inegáveis em muitos países. São estes valores universalistas que estão plasmados no artigo 13.º da nossa Constituição.

O pensamento pós-moderno, e o activismo que dele decorre, nunca demonstrou qualquer utilidade para os oprimidos que afirma defender. Pelo contrário, tem o dom de tornar pessoas razoáveis e tolerantes em adversários, que se vêem catalogadas como racistas ou homofóbicas simplesmente por não professarem o credo pós-moderno.

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