Junta militar birmanesa executa quatro activistas pró-democracia

Entre os condenados estava um antigo deputado e aliado de Suu Kyi. Desde 1988 que não havia execuções no país asiático.

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O antigo deputado Zeya Thaw foi um dos activistas políticos executados pela Junta militar birmanesa EPA/STRINGER

A Junta militar no poder na Birmânia executou quatro activistas pró-democracia, acusados de participar em “actos terroristas”. Há mais de três décadas que não havia execuções no país asiático.

Os quatro homens tinham sido condenados à pena de morte em julgamentos à porta fechada nos últimos meses e nem a pressão internacional de organizações e outros países para que as execuções não fossem realizadas foi suficiente para que os militares que tomaram o poder na Birmânia alterassem os seus planos.

Os órgãos oficiais do governo militar anunciaram as execuções esta segunda-feira, mas não foi fornecido mais nenhum pormenor quanto ao método ou sequer quanto à data em que ocorreram (as últimas execuções conhecidas na Birmânia ocorreram em 1988 por enforcamento). Os familiares dos activistas políticos juntaram-se à entrada da prisão de Insein para tentar obter mais informações, diz a BBC.

Entre os activistas executados estão o antigo deputado da Liga Nacional para a Democracia (LND), Phyo Zeya Thaw, e Kyaw Min Yu, uma figura muito conhecida do movimento pró-democrático do país. Os outros dois foram identificados como Hla Myo Aung e Aung Thura Zaw, condenados por terem alegadamente participado no homicídio de uma mulher que trabalharia como informadora da Junta militar.

A mãe de Zeya Thaw disse à BBC não ter sido informada da execução e que falou com o filho na sexta-feira através de vídeo-chamada, descrevendo-o como “saudável e sorridente”. “Ele pediu para lhe enviar os óculos de leitura, um dicionário e algum dinheiro para usar na prisão e era isso que lhe queria entregar hoje”, disse Khin Win Tint.

A execução dos activistas marca um recrudescimento da repressão lançada pelo Exército desde que em Fevereiro do ano passado derrubou o Governo de Aung San Suu Kyi. Os militares contestaram os resultados das eleições legislativas em que a LND obteve uma maioria confortável com alegações de fraude, que nunca ficaram provadas, e prenderam Suu Kyi e vários outros dirigentes governamentais.

Em resposta, grande parte da sociedade civil mobilizou-se contra a tomada do poder pelos militares, organizando enormes manifestações de protesto. O Exército reprimiu de forma violenta todos os actos de contestação e não mostra qualquer sinal de pretender ceder o poder. Em pouco mais de um ano, foram detidas quase 15 mil pessoas por participar em actos de protesto contra o Exército e 2114 foram mortas pelas forças de segurança, de acordo com uma associação de defesa de presos políticos.

“Revoltado e devastado”

Nos últimos meses, multiplicaram-se os apelos para que as execuções não fossem levadas a cabo, mas a Junta militar disse que o recurso à pena de morte se justifica. Em Junho, o primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, na qualidade de presidente da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), enviou uma carta ao líder do governo militar, Min Aung Hlaing, para lhe pedir que não avançasse com as execuções.

De forma semelhante, o deputado malaio, Charles Santiago, presidente da comissão da ASEAN para os Direitos Humanos, também deixou um apelo. “Nem sequer o último regime militar, que governou entre 1988 e 2011, se atreveu a aplicar a pena de morte contra presos políticos”, afirmou, citado pela Reuters.

“Isto representa um novo incremento da brutalidade da Junta, que tem origem num sentimento de impunidade largamente promovido pelo falhanço por parte da comunidade global de fazer alguma coisa de eficaz para impedir a continuação das atrocidades”, acrescentou Santiago.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, descreveu as execuções como uma “violação flagrante do direito à vida”. O enviado especial das Nações Unidas para a Birmânia, Tom Andrews, disse estar “revoltado e devastado” com a notícia das execuções dos activistas. “O meu coração está com as suas famílias, amigos e entes queridos, e também com todas as pessoas da Birmânia que são vítimas das atrocidades cada vez piores da Junta”, declarou o diplomata.

A China, um dos mais importantes vizinhos da Birmânia, disse que a crise no país deve ser resolvida dentro dos limites constitucionais, mas não condenou as execuções, recordando o princípio de “não-interferência” nos assuntos internos de outros países.

Segundo a Amnistia Internacional, há pelo menos mais de cem pessoas condenadas à pena de morte por actos de oposição aos militares.

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