Pandemia, fome e conflito: uma tríade que mais uma vez ameaça o mundo

Realizou-se, de 7 a 15 de julho de 2022, o Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas, a plataforma central da ONU para avaliar o progresso dos países no cumprimento da Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. A oito anos do fim do prazo estabelecido para a realização dos ODS, a intervenção de António Guterres neste evento que reuniu líderes de todo o mundo começou assim: “O mundo está em apuros.”

Mais de dois anos depois do início de uma pandemia que nos demonstrou as fragilidades das nossas sociedades, vivemos um momento histórico marcado por crises interligadas. Segundo o Relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2022, lançado durante o Fórum Político de Alto Nível da ONU, a covid-19 ameaça décadas de progressos no acesso à saúde, aprofundou a crise global da educação e a desigualdade de género, e apagou quatro anos de progresso na luta contra a pobreza. Além disso, entre 2019 e 2020, a taxa de pobreza extrema aumentou pela primeira vez desde 1998.

De facto, o impacto da covid-19 é múltiplo e devastador, mas não é a única razão pela qual nos encontramos numa encruzilhada. A fome, por exemplo, tem vindo a aumentar já desde 2014 devido à combinação de fatores como as limitações dos sistemas globais de abastecimento, o impacto explosivo de conflitos crescentes, e de fenómenos relacionados com a crise climática e com o aumento das desigualdades. A eclosão da guerra na Ucrânia veio agravar a ameaça da insegurança alimentar em virtude da inflação de vários produtos (cuja tendência de aumento de preço já se verificava antes da invasão russa), provocando escassez de alimentos para as pessoas mais pobres do mundo.

As ameaças à paz são, de resto, um dos grandes desafios que a humanidade enfrenta: testemunhamos hoje o maior número de conflitos violentos desde 1946 e um quarto da população global vive em países afetados por conflitos. E é por causa desses mesmos conflitos, bem como de perseguições e violações de direitos humanos que, em meados de 2021, o número de pessoas forçadas a fugir dos seus países atingiu os 24,5 milhões, o número mais alto alguma vez registado.

Mas, em breve e se nada for feito, haverá muitas mais pessoas forçadas a fugir das suas casas e dos seus países. Prevê-se, aliás, que cerca de 700 milhões de pessoas sejam desalojadas pela seca até 2030, sendo que estas estimativas não incluem todos os outros fenómenos climáticos de média e grande escala que tenderão apenas a aumentar, se nada fizermos. E pouco estamos a fazer, tendo em conta que, em 2021, as emissões de CO2 relacionadas com o consumo de energia aumentaram 6%, atingindo o nível mais alto de todos os tempos.

E se é verdade que as consequências da crise climática nos ameaçam a todos e a todas, não é menos verdade que são os mais pobres e desprotegidos que sofrem o maior impacto – apesar de os que mais contribuíram para a situação atual terem sido os países mais ricos. As regiões de grande vulnerabilidade à crise climática estão concentradas em pequenos estados insulares em desenvolvimento, no Ártico, no sul da Ásia, na América Central e do Sul e em grande parte da África Subsaariana. A pobreza, o acesso limitado a serviços básicos, os conflitos e a fragilidade dos sistemas de governação limitam a capacidade de adaptação às alterações climáticas, resultando em crises humanitárias que se preveem cada vez mais frequentes. A alta inflação e os níveis crescentes de endividamento dificultarão ainda mais a capacidade destes países no apoio às populações mais vulneráveis, numa altura em que, pela primeira vez numa geração, a desigualdade entre países a nível mundial aumentou.

Dos conflitos crescentes ao aumento das desigualdades e à crise climática, os problemas que enfrentamos são globais e indissociáveis uns dos outros. Mas isso não significa que não sejam possíveis de resolver – significa que as respostas para os enfrentar dependem da existência de vontade política e de trabalharmos juntos/as.

No final do Fórum Político de Alto Nível, os ministros e altos representantes reunidos adotaram uma declaração ministerial. O extenso documento reúne uma série compromissos e apelos a uma maior e melhor cooperação internacional para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Porque não há resposta que não exija a cooperação entre países e entre povos, a adoção desta declaração constitui um passo positivo para se avançar na resposta aos desafios que enfrentamos.

É preciso garantir a paz e acabar com as guerras; é preciso apostar nas energias renováveis e baixar drasticamente as emissões de CO2, assegurando uma transição verde e justa; é preciso investir nas pessoas, combater as desigualdades, aumentar o acesso à saúde e à educação e promover a igualdade de género; é preciso dar voz às pessoas e às comunidades; é preciso reforçar a democracia; é preciso uma economia mais sustentável e resiliente; é preciso reequilibrar o poder e assegurar uma distribuição mais equilibrada dos recursos financeiros para que todos os países possam trabalhar, em conjunto, rumo a soluções justas.

Não existem respostas individuais para problemas globais. A interdependência é uma realidade dos tempos que vivemos e a solidariedade não é só uma utopia, é uma absoluta necessidade – e, em última análise, é dela que depende o futuro do nosso planeta, da sua biodiversidade e da nossa espécie.

A única forma de avançar é “não deixar ninguém para trás”.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar