Christophe Gerland: microrganismos super-resistentes preocupam mais nas regiões vinícolas mais frias

O Terroir falou com o especialista e consultor francês na área da microbiologia dos vinhos à margem de uma formação sobre Higienização em Adega que Gerland deu em Penafiel.

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O francês Christophe Gerland esteve em Portugal no início de Julho para falar de Higienização em Adega Rui Oliveira

“Porquê higienizar? Para além de a lei o exigir, faremos vinhos com mais qualidade”. Christophe Gerland é formado em Microbiologia Industrial e Aplicada e em Enologia. Começou a trabalhar em Champagne, região onde acumulou experiência. É formador e consultor no sector dos vinhos, através da sua Intelli'Oeno, criada em 2003, e nos últimos 15 anos ministrou “a mais de 15 mil pessoas” o curso que o trouxe a Penafiel.

Na Quinta da Aveleda, que acolheu a formação promovida pela VINIDEAs, falou da qualidade do ar nas adegas, de bombas mais fáceis de limpar, de procedimentos de limpeza mais eficazes e, claro, dos microrganismos que atacam os mostos e os vinhos e se intrometem no perfil destes. O Terroir acompanhou a formação e falou com ele a posteriori.

Em Champagne está em curso uma mudança no que diz respeito à higiene das adegas e à limpeza e desinfecção de máquinas e outros equipamentos. O que está a acontecer exactamente na famosa região? E o que motivou essa mudança de paradigma?
As alterações climáticas motivaram os produtores a melhorar os seus métodos de limpeza. Devido às alterações climáticas, a composição do vinho é mais susceptível ao desenvolvimento de leveduras e bactérias que produzem aromas e sabores causados por contaminações. Ao fazer uma melhor limpeza, limitam o risco de desenvolvimento desses sabores e é uma forma de garantir a produção de vinhos melhores.

Ouvimo-lo falar de microrganismos cada vez mais resistentes a produtos e tratamentos desinfectantes. Com o que deve estar preocupado o sector vitivinícola? E quais são os riscos para o vinho?
O que se tem observado claramente é o aumento da resistência das leveduras aos sulfitos, especialmente a levedura Brettanomyces (esta levedura produz aromas do tipo animal que diminuem a percepção dos bons aromas frutados dos vinhos). Limpar melhor as adegas permite usar menos sulfitos e assim por diante, para limitar o desenvolvimento dessas leveduras ruins.

Que regiões vitivinícolas estão a enfrentar os maiores problemas?
Todas as regiões estão a passar por este problema, mas parece que ele cresce mais rapidamente nas regiões mais frias. Onde as alterações climáticas impactam mais.

Pode dar exemplos? Em quais regiões é que isso já está a acontecer?
Em Champagne, pelo que sei, e também na Nova Zelândia e no Chile, onde no passado havia menos problemas do que agora.

​Existem métodos de vinificação ou vasilhames mais expostos a esses microrganismos super-resistentes do que outros?
Toda a agricultura enfrenta estes problemas, mas como a produção de vinho inclui duas ou três fases de fermentação (três para os espumantes) o sector vitivinícola está mais exposto [como um todo].

Uma espécie de CSI na adega. Christophe Gerland recolheu e analisou amostras em tempo real. Rui Oliveira
Inspeccionou "pontos críticos". Rui Oliveira
O especialista francês ensinou a medir a quantidade de microrganismos na superfície dos equipamentos. Rui Oliveira
Fizeram a formação enólogos, adegueiros e até investigadores. Rui Oliveira
O curso, com esta parte prática, e outra, de prova de vinhos com defeito, foi promovido pela VINIDEAs. Rui Oliveira
Decorreu nas instalações da Quinta da Aveleda. Rui Oliveira
Nos últimos 15 anos, Gerland deu o mesmo curso a mais de 15 mil pessoas. Rui Oliveira
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Uma espécie de CSI na adega. Christophe Gerland recolheu e analisou amostras em tempo real. Rui Oliveira

Como assim três fermentações? No espumante, normalmente há duas fermentações alcoólicas.
A primeira fermentação é uma fermentação alcoólica, a segunda fermentação uma fermentação maloláctica — [acontece] na maior parte do champanhe — e a terceira fermentação é a formação de espuma na garrafa, também uma fermentação alcoólica.

Que percentagem de produtores diria que têm adegas impecavelmente limpas e desinfectadas e/ou estão preocupados com isso?
Eu posso estimar que 80 por cento estavam a limpar bem as suas adegas, mas agora eles têm que fazer limpezas super-top… então, menos de 50 por cento estão nessa situação. Mas não podemos resumir assim a questão: há novos pontos importantes — especialmente dentro das bombas —, onde o processo de limpeza tem de mudar e melhorar muito… para qualquer que seja a adega!!!

Até que ponto práticas mais zelosas podem matar microorganismos benéficos no processo de vinificação?
Os bons microrganismos, aqueles que são benéficos, são oriundos das uvas ou são seleccionados e adicionados pelos produtores ao mosto na cuba de inox. Também podem ser cultivados e armazenados de ano para ano. Não limpamos as uvas, apenas [limpamos] as superfícies dos materiais… por isso, as boas práticas de limpeza não matam os bons microrganismos, permitem que esses bons microrganismos funcionem melhor, e como tal produzam vinhos melhores!!

Quais são as principais preocupações dos formandos que conheceu no curso promovido pela VINIDEAs? Estão em linha com o que ouve noutros lugares do mundo?
A principal preocupação [que partilharam] foram os procedimentos de higienização e como evitar que os aromas indesejáveis entrassem no perfil do vinho. Dou o mesmo curso em todo o mundo, e é o que tem mais sucesso. [Os formandos] também querem aprender a reconhecer e a melhorar os bons aromas nos vinhos, a gerir as análises microbiológicas nas adegas e nos laboratórios. A VINIDEAs está também a ministrar outros cursos a nível mundial, como a prova de uvas.

Falámos mais sobre as adegas, mas também sobre a vinha. Na sua opinião, a proibição do uso de alguns pesticidas pela União Europeia foi benéfica? As alternativas disponíveis são eficazes?
Não é a minha especialidade, mas acompanho essa área, claro. A redução de pesticidas está em curso, mas não é fácil, especialmente em anos muito húmidos, como foi o de 2021 em França e em toda a Europa. Um grande número de alternativas está agora disponível, para o trabalho mecânico, mas também com algumas ferramentas biotecnológicas —a confusão sexual, por exemplo — e também o aparecimento de plantas naturalmente mais resistentes aos fungos na vinha. E ainda a melhoria das máquinas, para tratar melhor, tratar menos.

A proposta de colocar avisos sobre o potencial risco de cancro nos rótulos das garrafas de álcool falhou. Mas estarão os produtores, apesar disso, mais conscientes dos produtos químicos que utilizam na vinha e na adega?
Sim, claro, também porque as suas próprias vidas estão em causa. E as de seus colaboradores que trabalham na vinha. Há um grande esforço a ser feito [pelo sector].

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