Deputados do Chega abandonam plenário em protesto contra Santos Silva

Presidente do Parlamento defendeu a presença de imigrantes em Portugal, numa crítica a uma intervenção de André Ventura e este acusou-o de falta de isenção. Chega vai agendar para Setembro projecto de resolução que censura Santos Silva.

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Momento em que os deputados do Chega se levantam e deixam a bancada, seguindo o presidente do partido, André Ventura LUSA/TIAGO PETINGA

Onze dos doze deputados do Chega abandonaram na tarde desta quinta-feira o plenário da Assembleia da República quando Augusto Santos Silva respondia a um protesto de André Ventura contra um comentário que o presidente do Parlamento fizera minutos antes em defesa dos imigrantes que escolheram Portugal para viver. Apesar de os deputados terem virado as costas e saído da sala em fila, Santos Silva continuou a falar como se ainda estivessem na sala.

A polémica ocorreu durante a discussão de diversos diplomas sobre as autorizações de residência para estrangeiros em Portugal. André Ventura fizera a apresentação do projecto de lei da sua bancada repetindo várias vezes a ideia de que a esquerda e o Governo estão a abrir as portas do país a quem “só quer vir viver de subsídios” e descuram os portugueses que trabalham e que foram quem construiu e sustenta a existência do Parlamento.

A assessoria do partido já anunciou aos jornalistas que os deputados não voltarão ao plenário esta tarde, confirmando que nem mesmo para votar um projecto de voto e um projecto de lei da sua autoria.

“Como presidente da Assembleia da República considero que Portugal deve muito, mas mesmo muito, aos muitos milhares de imigrantes que aqui trabalham, que aqui vivem e que aqui contribuem para a nossa Segurança Social, para a nossa coesão, a nossa vida colectiva, cidadania, dignidade, porque somos um país aberto, inclusivo e respeitador dos outros”, afirmou Augusto Santos Silva quando André Ventura acabou a sua intervenção.

As palavras do presidente fizeram com que todos os deputados do PS, alguns do PSD e dois da IL se levantassem batendo palmas, e motivaram o aplauso do PCP, do Bloco e de sociais-democratas. Em resposta, os deputados do Chega bateram com os pés no chão e com as mãos nas mesas de madeira (a chamada pateada). Os aplausos não cederam enquanto a pateada não parou.

Ventura pediu para falar ao abrigo de um artigo do regimento e criticou Santos Silva: “Acho, honestamente, que o senhor, como presidente da Assembleia da República, deve abster-se de fazer comentários sobre as intervenções.” Da bancada do PS gritou-se várias vezes “era o que faltava”. O líder do Chega acusou Santos Silva de não distinguir as suas funções de presidente do Parlamento das de deputado do PS: “Pode acreditar que quando defende o PS defende aquilo em que acredita. Pode achar que defender o PS é defender a Assembleia, mas mostra que não temos um presidente da Assembleia da República isento e capaz de distinguir a função de árbitro ou de deputado.”

Lamentou que o presidente da Assembleia use da sua posição para comentar e atacar as propostas do Chega e afirmou que a atitude de Santos Silva mostra que “o líder da bancada do PS em vez de estar ali sentado [apontou para Brilhante Dias] está ali sentado [apontou para a Mesa da AR onde está Santos Silva]”.

Augusto Santos Silva deixou Ventura falar até ao fim – só o tinha interrompido para pedir ao PS que deixasse o deputado do Chega falar – e depois fez questão de replicar: “Eu não represento aqui o PS; represento o chão democrático comum desta Assembleia da República tal como a Constituição determina e o regimento impõe. A minha função mais básica é assegurar o prestígio da Assembleia da República e sempre que o prestígio estiver em causa pode ter a certeza que intervirei.”

Acrescentou que o Parlamento “representa todos os portugueses residentes em Portugal ou no estrangeiro e cuida também, nas suas funções legislativa e de fiscalização, pelo bem-estar de quem reside e trabalha em Portugal, seja nacional ou estrangeiro”. E, em relação à atitude dos deputados do Chega, vincou que não se “impressiona nem com pateadas nem com o volume de som” das intervenções.

Nesta altura, já os deputados do Chega tinham começado a levantar-se. Depois viraram as costas e começaram a sair da sala sob alguns protestos da bancada do PS. Santos Silva não interrompeu o que dizia. “Estou há muitos, mas mesmo muitos, anos empenhado na defesa da democracia e da liberdade e assim continuarei até ao fim dos meus dias.”

O momento caricato da história ficou a dever-se a Diogo Pacheco de Amorim: o deputado mais velho do Chega entrou na sala poucos minutos depois de toda a sua bancada já ter saído e parou no caminho para falar com Rui Rio e Maló de Abreu, sentados numa fila perto do sítio do Chega. Vinha tão distraído que nem reparou que os deputados do seu partido não estavam. Quando foi alertado pelos sociais-democratas de que toda a sua bancada tinha saído, Pacheco de Amorim virou-se, olhou para os lugares vazios, abriu os braços e fez uma cara de espanto, provocando risota em muitos deputados. E lá saiu, também rindo e abanando a cabeça e os braços.

Decisão “de forma pensada"

Pouco tempo depois do incidente, André Ventura marcou uma conferência de imprensa em que acusou o presidente da Assembleia da República de violar o regimento e a Constituição ao “atacar e menorizar” o projecto de lei do partido. “Já usámos a figura do protesto, não nos resta outra opção se não mostrar fisicamente o nosso protesto”, justificou aos jornalistas acompanhado pelos 11 deputados.

O líder do Chega lamentou que os demais partidos não se insurjam contra a forma de actuar “parcial de Augusto Santos Silva, adiantando que o partido vai agendar o seu projecto de censura ao presidente da Assembleia da República logo em Setembro.

“Hoje é o Chega, amanhã é o Bloco. Temos de reagir a esta tirania. Se não for censurado temos de recorrer aos tribunais. Augusto Santos Silva tem de decidir se quer ser Brilhante Dias [líder da bancada do PS]. Se for, então tirem o Brilhante Dias da liderança parlamentar”, afirmou.

Questionado pelos jornalistas sobre se o Chega não pisa o risco pela forma de estar num órgão de soberania, André Ventura comentou: “Este é o nosso estilo.”

O líder do Chega foi também confrontado com a questão de faltar às votações dos diplomas e admitiu a importância de estar “em todas as votações”. Mas, ressalvou, “é importante honrar” os compromissos com os eleitores. Ventura garantiu que a decisão de abandonar o plenário não foi impulsiva. “Não o fizemos de forma leve. Decidimos de forma pensada e sabendo que tem um custo”, afirmou, considerando que a maioria do “meio milhão” que elegeu os deputados do Chega “concordava” com a atitude tomada esta tarde.

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