Explicador: como as alterações climáticas provocam ondas de calor e incêndios florestais

Ondas de calor brutais estão a atacar tanto a Europa como os Estados Unidos esta semana, e prevê-se que arrastem também um calor abrasador em grande parte da China até finais de Agosto.

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Uma mulher arrefece debaixo de aspersores em Córdova, na Andaluzia, Espanha, a 16 de Julho de 2022 EPA/Salas

Além de temperaturas superiores a 40 graus Celsius (104 Fahrenheit), os incêndios florestais estão a assolar o sul da Europa obrigando a evacuações em várias cidades.

O calor escaldante faz parte de um padrão global de aumento das temperaturas, atribuído pelos cientistas à actividade humana.

Ondas de calor mais quentes e frequentes

As alterações climáticas tornam as ondas de calor mais quentes e mais frequentes. Este é o caso da maioria das regiões terrestres, e tem sido confirmado pelo painel global de cientistas climáticos da ONU (IPCC).

As emissões de gases com efeito de estufa das actividades humanas têm aquecido o planeta em cerca de 1,2 Celsius desde os tempos pré-industriais. Esta linha de base mais quente significa que temperaturas mais elevadas podem ser alcançadas durante eventos de calor extremo.

“Cada onda de calor que estamos a viver hoje em dia tornou-se mais quente e mais frequente devido às alterações climáticas”, diz Friederike Otto, um cientista climático do Imperial College de Londres que também co-lidera a colaboração na investigação da World Weather Attribution [consórcio que reúne especialistas climáticos de diferentes centros de investigação].

Mas há outras condições que também afectam as ondas de calor. Na Europa, a circulação atmosférica é um factor importante.

Um estudo publicado este mês na revista Nature revelou que as ondas de calor na Europa aumentaram três a quatro vezes mais depressa do que em outras latitudes médias do norte, tais como os Estados Unidos. Os autores associaram isto a mudanças na corrente de jacto - uma corrente de ar rápida do oeste para o leste no hemisfério norte.

Impressões digitais das alterações climáticas

Para descobrir exactamente o quanto as alterações climáticas afectaram uma onda de calor específica, os cientistas realizam os chamados “estudos de atribuição”, trabalhos que procuram encontrar provas de uma ligação entre dois fenómenos. Desde 2004, foram feitos mais de 400 estudos deste tipo para eventos climáticos extremos, incluindo calor, inundações e seca - calculando o papel que as alterações climáticas desempenharam em cada um deles.

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Onda de calor em Lisboa - piscina no jardim do Torel a 12 de Julho de 2022 Nuno Alexandre

Isto implica simular o clima moderno centenas de vezes e compará-lo com simulações de um clima sem emissões de gases com efeito de estufa causadas pelo homem.

Por exemplo, cientistas da World Weather Attribution determinaram que uma onda de calor recordista na Europa Ocidental em Junho de 2019 tinha 100 vezes mais probabilidade de ocorrer agora em França e nos Países Baixos do que se os seres humanos não tivessem mudado o clima.

As ondas de calor ainda vão piorar

Actualmente, a temperatura média global está já cerca de 1,2 graus Celsius acima dos registos nos tempos pré-industriais. Isto já está a conduzir a eventos de calor extremo.

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Uma pomba arrefece numa fonte em Logrono, Espanha, a 10 de Julho de 2022 EPA/RAQUEL MANZANARES

“Em média em terra, os extremos de calor que teriam acontecido uma vez a cada 10 anos sem influência humana no clima são agora três vezes mais frequentes”, refere a cientista climática do Instituto Federal de Tecnologia (ETH) de Zurique Sonia Seneviratne.

As temperaturas só deixarão de subir se os seres humanos deixarem de adicionar gases com efeito de estufa à atmosfera. Até lá, as ondas de calor vão piorar. Uma falha no combate às alterações climáticas vai fazer com que os extremos de calor aumentem de forma ainda mais perigosa.

Os países concordaram, no âmbito do Acordo de Paris de 2015, em reduzir as emissões com rapidez suficiente para limitar o aquecimento global a 2°C e visar 1,5°C, a fim de evitar os seus impactos mais perigosos. No entanto, as políticas actuais não reduziriam as emissões com a rapidez suficiente para atingir qualquer dos objectivos.

Uma onda de calor que ocorresse uma vez por década na era pré-industrial aconteceria 4,1 vezes por década a 1,5°C de aquecimento, e 5,6 vezes a 2°C, diz o IPCC.

Deixar o aquecimento passar 1,5°C significa que a maioria dos anos “será afectada por temperaturas extremas no futuro”, disse Seneviratne.

As alterações climáticas provocam incêndios florestais

As alterações climáticas aumentam as condições quentes e secas que ajudam a que os incêndios se espalhem mais rapidamente, ardam mais tempo e se enfureçam mais intensamente.

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Incêndio este mês de Julho no concelho de Albergaria-a-Velha ADRIANO MIRANDA

No Mediterrâneo, isso tem contribuído para que a época de incêndios comece mais cedo e queime mais território. No ano passado, mais de meio milhão de hectares arderam na União Europeia, tornando-a a segunda pior época de fogos florestais registada após 2017.

O tempo mais quente também retira humidade da vegetação, transformando-a em combustível seco que ajuda os incêndios a espalhar-se.

“As condições mais quentes e secas neste momento, tornam-no [o fogo] muito mais perigoso”, nota o cientista Mark Parrington, do programa europeu Copérnico.

Países como Portugal e a Grécia enfrentam incêndios durante a maior parte dos Verões, e têm infra-estruturas para os tentar gerir - embora ambos tenham recebido ajuda de emergência da UE este Verão. Mas as temperaturas mais altas estão também a empurrar os incêndios para regiões que não estão habituadas e, por isso, menos preparadas para os enfrentar.

A mudança do clima não é único factor a favor de incêndios

A gestão florestal e as fontes de ignição são também factores importantes. Na Europa, mais de nove em cada 10 incêndios são iniciados por actividades humanas, como fogo posto, churrascos descartáveis, linhas eléctricas, ou vidro deitado fora, de acordo com dados da UE.

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Carro destruído pelo incendio florestal em Pombal, em Julho de 2022 Adriano Miranda

Os países enfrentam também o problema da desertificação do interior com a redução da população nas zonas rurais. À medida que as pessoas se deslocam para as cidades há menos controlo da vegetação, o que possibilita a formação de “combustível” para os incêndios florestais.

Algumas acções podem ajudar a limitar os incêndios graves, tais como o estabelecimento de fogos controlados que imitam os incêndios de baixa intensidade em ciclos naturais dos ecossistemas, ou a criação de corta-fogos dentro das florestas para impedir que os incêndios se espalhem rapidamente por grandes áreas.

Mas os cientistas concordam que sem cortes acentuados dos gases com efeito de estufa que explicam as alterações climáticas, as ondas de calor, incêndios, inundações e secas irão piorar significativamente.

“Quando, dentro de uma ou duas décadas, olharmos para a actual época de incêndios provavelmente esta até parecerá moderada”, refere Victor Resco de Dios, professor de engenharia florestal na Universidade de Lérida, em Espanha.

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