Provas finais de ciclo e provas de aferição: ver para além da montanha

As provas externas são em geral longas e excessivamente exigentes. Podíamos colocar professores destes anos a realizar estas provas, medir o tempo de resolução e fazer depois a consequente correção. Muito se aprenderia com este estudo.

Engolidas pelos exames que contam (apenas para o acesso ao ensino superior) e pelos rankings, as provas finais de ciclo e as de aferição suscitaram pouco interesse mediático, escolar e profissional.

Ainda assim, os resultados das provas finais de 9.º ano tiveram algum destaque: na disciplina de Matemática 57,7% dos alunos tiveram negativa e a Português a percentagem foi de 37,5. Um desastre, portanto.

Há duas teorias que têm sido usadas para explicar a realidade: para uns é a prova da perda das aprendizagens durante a pandemia, legitimando um reforço de mais aulas; para outros, os resultados explicam-se porque as notas não servem para nada, não contam para apurar a transição de ano, têm relevância nula para o apuramento das notas, são uma brincadeira inútil e por isso os alunos não investem na sua realização.

Sobre esta problemática, seria sensato gerar algumas reflexões para orientação das políticas e das práticas organizacionais e profissionais.

i) na leitura dos resultados nunca se questionam as provas, os critérios de classificação e de correção (as questões relacionadas com a validade das provas e a fiabilidade das classificações parecem ser à prova de bala – mas há muitas evidências que comprovam que o não são). Ora, estas variáveis não podem ser dispensadas da análise. Veja-se, a título de exemplo, a última questão aberta colocada na prova de aferição de Português e Estudo do Meio em 2021 a alunos que estavam a concluir o 2.º ano de escolaridade:

“Um dia, depois de muito saltar, o gafanhoto aterrou num lugar maravilhoso. Quando olhou à volta, o gafanhoto viu muitos animais. Que aventura pode ter acontecido ao gafanhoto naquele lugar? Primeiro, imagina: onde aterrou o gafanhoto; como começou a aventura; • qual foi o momento mais emocionante; o que aconteceu a seguir; como terminou a aventura. Escreve agora uma história em que contes a aventura vivida pelo gafanhoto naquele lugar desconhecido. Dá um título à tua história. “(Prova de Português e estudo do meio, 2.º ano, 2021).

E na prova final de 9.º ano, 2021, a última questão obrigava os alunos a estruturar uma resposta aberta à seguinte questão:

“Na tua perspetiva, as gerações mais novas continuam a aprender com as gerações mais velhas? Escreve um texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de 160 e um máximo de 260 palavras, em que defendas o teu ponto de vista sobre a questão apresentada.

O teu texto deve incluir: – a indicação do teu ponto de vista; – a apresentação de, pelo menos, duas razões que justifiquem o teu ponto de vista; – uma conclusão adequada.” (Prova Português 2021, 9.º ano).

ii) Importa ter presente que estas provas têm em média 16/18 páginas, incorporam um texto áudio que implica uma exigência acrescida de concentração, têm uma duração de 90 minutos (no 2.º ano com uma tolerância de 30 minutos). Estes dados permitem inferir que as provas estão sobredimensionadas face ao público a que se destinam, sendo expetável que os alunos se desliguem face ao excesso da dimensão das provas. A autoria institucional das provas não pode ignorar os contextos e as circunstâncias das respostas. E esta é uma situação recorrente e antiga: as provas externas são em geral longas, excessivamente exigentes face às aprendizagens essenciais definidas. Há aliás, uma prova real que pode ser investigada: colocar professores destes anos a realizar estas provas, medir o tempo de resolução e fazer depois a consequente correção. Muito se aprenderia com este estudo.

iii) O último tópico que não pode deixar de ser questionado é o seguinte: estes dados são irrelevantes, não traduzem os conhecimentos dos alunos porque as notas não contam para a nota da transição e nesta circunstância os alunos desligam. Ora, esta interpretação carece de fundamento empírico pois não há evidências que o confirmem. E revelam uma cultura educativa muito triste: aprender não interessa. O que interessa é a nota. Se não contar não há implicação.

iv) Importa, no entanto, afirmar, que estes resultados, mesmo não contando para a nota, podem ser educacionalmente muito relevantes: se as escolas e os professores analisarem os resultados e compreenderam os pontos fortes e fracos; se delinearem programas de melhoria e foram geradas dinâmicas de apoio à ação dos professores (não obstante os problemas de validade e fiabilidade que já referenciamos).

Concluímos, pois, que estas provas têm de se adequar às realidades concretas do ensino e das aprendizagens, têm de ser dimensionadas para o tempo previsto, e podem ser relevantes para regular as estratégias da ação educativa de cada escola. Todos temos uma palavra a dizer e a praticar no sentido de afirmar a relevância da promoção das aprendizagens. Muito para além das notas que muito pouco dizem (e valem).

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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