Cereais, uma fileira sobrestimada

O montante de apoios, de fundos comunitários, que é dado à cultura dos cereais só se explica pelo peso histórico que estes têm na sociedade portuguesa, muito acima do que vale a respetiva fileira.

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Reuters/VALENTYN OGIRENKO

Recentemente, o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou um estudo denominado A Economia do Trigo, no qual faz uma análise à produção, balança comercial e origem do abastecimento, entre 1988 e 2021.

O PÚBLICO publicou uma notícia no mesmo dia da divulgação do estudo, com o título Défice comercial do trigo pode agravar-se em 60% este ano, assinado pela jornalista Isabel Aveiro, e o editorial O regresso do velho drama da falta de trigo, assinado pelo diretor do jornal, Manuel Carvalho.

Na realidade, desde 1988 Portugal foi deficitário em trigo, teve a maior importação em quantidade em 2005, 1.649.000 toneladas, e em 2012 teve o valor mais elevado do défice (329 milhões de euros).

Em 2021 o défice atingiu os 286 milhões de euros e, em 2022, tendo por base o cenário descrito pelo INE, preço de 443 euros/tonelada, valorização mais alta no mercado de referência internacional para as transações de trigo, previsão de descida da produção nacional, -10% de produtividade e -8% de superfície semeada, o défice será de 451 milhões de euros (286 milhões de euros de défice 2021+165 milhões de euros adicionais de subida de preço em 2022).

Manuel Carvalho escreveu um editorial lúcido e claro sobre o assunto. Desde há muito tempo tenho escrito que os cereais são uma fileira para onde são canalizados apoios e subsídios que deviam ser canalizados para outras fileiras mais competitivas e exportadoras.

Não temos condições de solos e climas para os produzir. Podemos refletir sobre as quantidades irrisórias que Portugal produz de cereais, mas no final de contas chegamos à mesma conclusão: Portugal na União Europeia é a melhor garantia para salvaguardar as necessidades básicas da população nacional ao mais baixo custo.

O montante de apoios, de fundos comunitários, que é dado à cultura dos cereais só se explica pelo peso histórico que estes têm na sociedade portuguesa, muito acima do que vale a respetiva fileira.

Imaginem se o montante que vai ser despendido nas ajudas diretas aos cereais previsto no PEPAC (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum) fosse gasto em apoio ao investimento em regadio, melhoria dos solos, etc. Havia certamente maior criação de riqueza, emprego, maior nível de desenvolvimento e menos pobreza.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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