O último a sair que feche a porta

Sairei de Portugal para encontrar algo melhor, para respirar, para quando me sentir capaz, voltar e continuar a lutar e a resistir.

Foto
Unsplash

Sou psicólogo clínico, tenho 31 anos e sempre vivi num Portugal mergulhado em uma interminável crise financeira e social. Lembro-me de Manuela Ferreira Leite dizer num canal de televisão, algures entre 2002 e 2003, que se os portugueses (e portuguesas) apertassem o cinto tudo ficaria melhor. O povo apertou e nada de bom aconteceu, pelo contrário, tudo piorou.

Entrei na universidade em 2008, no rebentar de uma nova crise. Lembro-me das universidades se tornarem um espaço cada vez menos gratuito, lembro-me de criarem fundações de direito privado, lembro-me de diminuírem a representação do poder dos alunos e das alunas nos espaços de decisão. Também não posso deixar de me lembrar do impacto negativo que o Governo Sócrates teve em todos nós e, acima de tudo, de como as pessoas depositaram esperanças num Passos Coelho populista que apenas foi mais um carrasco do nosso povo.

Vivi a privatização da TAP e dos CTT, entre muitos outros negócios completamente ruinosos para o nosso país. Vivi o desinvestimento no ensino público e no SNS – que hoje vive os seus dias mais conturbados. Tinha 24 anos quando saí da universidade, com uma vontade imensa de trabalhar e de começar a minha carreira (e a minha vida), mas o que encontrei foi um mercado de trabalho completamente selvagem e desumanizador. Consegui o meu primeiro emprego (estágio profissional) de forma rápida, ao contrário de muitos e muitas colegas, não por mérito pessoal, mas por ser dotado de diversos privilégios sociais que me colocam numa posição de vantagem sobre os meus pares. Sempre trabalhei com contrato de trabalho, o que na minha área é uma raridade, contudo, passados seis anos, continuo a receber basicamente o mesmo ordenado que recebia no início. Entretanto, actualmente estou a viver em Lisboa, considerada recentemente a terceira cidade mais cara do mundo (relação entre ordenado e custo de vida), segundo o ranking da seguradora britânica CIA Landlords divulgado nos meios de comunicação recentemente.

Com sete anos de experiência profissional, vejo-me sem grandes perspectivas. Estabilidade financeira e manter um mínimo de qualidade de vida parece ser cada vez mais difícil, ainda que tenha total consciência de que outras pessoas se encontram numa situação muito mais complicada do que a minha. Portugal é um sítio fantástico, que eu amo profundamente, mas é um país que se torna cada vez menos do povo e cada vez mais de uma pequena elite que tudo o controla. As últimas eleições foram o verdadeiro exemplo de que nada de positivo se avizinha. As maiorias absolutas, em Estados de direito democráticos, além de não trazerem nada de bom, promovem o crescimento de populismos raivosos e perigosos.

Escrevo este texto como um purgar de algo que me corrói e que senti a necessidade de partilhar. Sairei de Portugal para encontrar algo melhor, para respirar, para quando me sentir capaz, voltar e continuar a lutar e a resistir. Que os valores de Abril não fiquem nos livros de história e que passem a ser uma inspiração diária a todas as pessoas portuguesas.

Sugerir correcção
Ler 10 comentários