Grécia e Frontex abandonaram mais de 27 mil pessoas à deriva no Egeu desde 2020

Relatório divulgado pelo DiEM25 analisa mais de mil casos em que a Guarda Costeira grega e as embarcações da agência da UE expulsaram ilegalmente requerentes de asilo no mar. Pelo menos onze afogaram-se e quatro desapareceram.

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Resgate realizado em 2020 por um navio da ONG Sea-Watch 4 no Mediterrâneo CHRIS GRODOTZKI/REUTERS

As embarcações da Guarda Costeira da Grécia e da Frontex, a agência que se ocupa da protecção das fronteiras da União Europeia, abandonaram no mar pelo menos 27.464 pessoas, incluindo crianças, em 1018 casos entre Março de 2020 e Março de 2022. A existência das chamadas devoluções (pushbacks) ou casos de abandono de requentes de asilo (drift-backs) no mar por parte das autoridades gregas já era conhecida, mas as conclusões do novo estudo, obtidas pelo movimento DiEM25 e vistas pelo PÚBLICO, mostram o carácter sistemático desta prática ilegal nos últimos anos.

A partir de informações e documentos de requerentes de asilo e organizações não-governamentais (incluindo a AlarmPhone e a Aegen Boat Report) que actuam no Mediterrâneo, a Forensic Architecture e a Forensis (grupos que usam técnicas de arquitectura e diferentes tecnologias para investigar violações de direitos humanos) conseguiram geolocalizar e verificar provas de 1018 barcos deixados à deriva, organizando os dados numa plataforma aberta que será agora actualizada sempre que surgirem indícios de novos abandonos de pessoas no mar.

Segundo estudos anteriores, de ONG e de consórcios de media europeus, os requerentes de asilo são deixados em pequenos barcos insufláveis, rebocados até águas turcas e abandonados no mar, muitas vezes sem coletes salva-vidas, água ou alimentos. Este novo relatório identifica pelo menos 26 casos em que a Guarda Costeira grega atirou directamente as pessoas ao mar, sem coletes (em duas situações, as pessoas foram encontradas algemadas) e confirma o afogamento de onze pessoas (pelo menos outras quatro desapareceram).

Ao mesmo tempo, entre os 1018 incidentes registados, a maioria (378) aconteceram junto à ilha de Lesbos; em 16 casos, os requerentes de asilo foram interceptados já em águas gregas antes de serem levados para a fronteira e deixados à deriva; a Frontex esteve directamente envolvida em 122 casos e teve conhecimento de 417, que registou nos seus arquivos como “prevenções de entrada”.

“A cada empurrão de não europeus no Mediterrâneo, a Europa perde mais uma fibra da sua alma”, comentou Yanis Varoufakis, co-fundador do movimento pan-europeu DiEM25 (Democracy in Europe Movement 2025). Neste processo, sustenta o ex-ministro das Finanças grego, a Europa prepara-se para tratar “com maior desumanidade” os seus próprios cidadãos. “Nenhum europeu deve dormir descansado enquanto não europeus forem empurrados de volta para mares ameaçadores”, afirmou.

A Grécia tem negado sistematicamente estas práticas, apesar da existência de provas crescentes. O mesmo acontece com os responsáveis da Frontex: um grupo de trabalho criado pelo Parlamento Europeu para analisar a actuação da agência e as acusações de encobrimento de operações gregas não encontrou provas de envolvimento directo nestas devoluções mas concluiu que a agência falhou ao não investigar devidamente os relatos de práticas ilícitas e “não preveniu as violações nem reduziu o risco de futuras violações dos direitos fundamentais”.

Há quase dois anos, em Setembro de 2020, foi o próprio Alto Comissariado da ONU para os Refugiados a confirmar a existência de “cada vez mais relatos credíveis de que homens, mulheres e crianças têm sido devolvidos de forma informal à Turquia imediatamente depois de chegarem a solo grego ou às suas águas territoriais nos últimos meses”.

Para Milena Marin, chefe do Laboratório de Provas de Crise da Amnistia Internacional (que colaborou no estudo), com esta plataforma “a natureza sistemática e generalizada da prática mortal do drift-back é agora inegável”.

Segundo o DiEM25), a plataforma resultante da investigação, que contou ainda com contributos da Border Violence Monitoring Network, Bellingcat Global Authentication Project e Crisis Evidence Lab, para além do Digital Verification Corps da Amnistia, está já a “apoiar acções legais, monitorizações independentes” e outros relatórios, ao mesmo tempo que promove “exigências crescentes de responsabilização e apelos internacionais” contra o financiamento das guardas costeiras nacionais e da Frontex.

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