Previsão de calor extremo obriga Reino Unido a lançar alerta vermelho pela primeira vez

Temperaturas poderão atingir 40 graus no início da próxima semana, ultrapassando recordes do país. Calor está a piorar a poluição atmosférica na Europa, avisa Organização Mundial de Meteorologia.

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As zonas urbanas, como Londres, poderão registar temperaturas mais altas durante os dias de calor extremo no Reino Unido Peter Nicholls/Reuters

Tal como Portugal e outras partes da Europa, também o Reino Unido vai viver dias de calor extremo. No início da próxima semana, as temperaturas ultrapassarão os 35 graus Celsius e poderão atingir os 40 graus em parte do território, segundo um comunicado desta sexta-feira do Met Office, o serviço meteorológico do Reino Unido.

Devido a esta previsão, a instituição lançou pela primeira vez um alerta vermelho para o calor extremo. Este alerta vermelho significa que é muito provável que as altas temperaturas tenham um grande impacto na população e nas infra-estruturas.

“É provável que ocorram na próxima semana temperaturas excepcionais, capazes de bater recordes”, explicou Paul Gundersen, o meteorologista-chefe do Met Office. “Neste momento, há 50% de probabilidades de vermos a temperatura atingir os 40 graus e 80% de probabilidades de se atingir um novo máximo da temperatura”, acrescentou.

O recorde de temperaturas do Reino Unido, de 38,7 graus, é relativamente recente: foi registado a 25 de Julho de 2019, no Jardim Botânico de Cambridge, em Inglaterra. De qualquer forma, mesmo que não se atinjam os valores máximos previstos, o calor agora esperado é um risco para a saúde humana, principalmente num país onde o edificado não foi construído para enfrentar estes novos extremos.

“Provavelmente, as noites também serão excepcionalmente quentes, especialmente nas áreas urbanas. Isto poderá levar a impactos generalizados para as pessoas e as infra-estruturas”, avisou Paul Gundersen, aconselhando as pessoas a alterarem as suas rotinas para evitarem a exposição ao calor. Há ainda um risco muito grande que equipamentos e sistemas que sejam sensíveis ao calor falhem, levando a quebras na electricidade, no serviço de água e nos serviços de comunicação.

Poluição concentrada

Nestes dias, um sistema de alta pressão atmosférica junto da parte Sul do Reino Unido tem sido responsável pelo tempo quente e seco vivido no país, adianta o Met Office. Mas a partir do fim-de-semana, “um fluxo de ar vindo de sul vai permitir que as altas temperaturas que, neste momento estão a ocorrer no continente europeu, se dirigiam para norte, em direcção ao Reino Unido”, avança o comunicado daquela instituição.

Portugal está a viver essas temperaturas desde 7 de Julho, quando se iniciou onda de calor, que já produziu recordes de temperatura em várias localidades, como o que aconteceu na última quinta-feira no distrito de Viseu, quando a estação de Pinhão – Santa Bárbara registou 47 graus, o maior valor de temperatura alguma vez registado em Portugal para o mês de Julho. Estes extremos já tiveram consequências a nível da mortalidade. Entre 7 e 13 de Julho, foi registado um excesso de 238 mortes devido ao calor, segundo dados já divulgados pela Direcção Geral da Saúde.

Além de Portugal continental, outros países como Espanha e França têm sofrido com as temperaturas altas e os incêndios. No Departamento de Gironda, no Sudoeste da França, os fogos florestais obrigaram à retirada de 11.300 pessoas, segundo a agência Reuters. Até esta sexta-feira, já tinha sido queimada naquela região uma área de pelo menos 73,5 quilómetros quadrados (por comparação, a cidade de Lisboa tem 84,6 quilómetros quadrados).

No Sul de Espanha, 400 pessoas foram retiradas de uma zona montanhosa no município de Mijas, em Málaga, devido a um incêndio, adianta ainda a Reuters. Já na Catalunha, as autoridades suspenderam o campismo e as actividades desportivas à volta de 275 cidades e aldeias para prevenir os riscos de incêndio. Os trabalhos que envolvem o uso de máquinas também foram restringidos.

Devido à situação extrema, a Organização Mundial de Meteorologia emitiu um aviso sobre a qualidade do ar para as regiões da Europa afectadas pelo calor, especialmente as cidades e outras zonas urbanas. “A atmosfera estagnada e estável actua como uma tampa que prende os poluentes atmosféricos”, explicou Lorenzo Labrador, responsável científico daquela instituição, durante uma conferência de imprensa em Genebra, na Suíça, esta sexta-feira. “Isto resulta numa degradação da qualidade do ar e efeitos adversos para a saúde, especialmente para as pessoas idosas”, referiu, citado pela Reuters.

Bloqueio e desbloqueio

Também Alexandra Fonseca, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, destaca que o calor europeu vai chegar ao Reino Unido nos próximos dias. Neste momento, existe uma depressão a oeste de Portugal que “provoca a circulação de uma massa de ar quente” vinda do Norte de África, disse ao PÚBLICO. “Segunda-feira, esta depressão faz um deslocamento para nordeste até ao golfo da Biscaia e levará o ar quente”, refere.

Alguns meios de comunicação britânicos referem-se a um “heat dome” vindo do continente europeu. Este termo foi muito utilizado durante a catastrófica onda de calor que afectou o Canadá e os Estados Unidos, no fim de Julho de 2021. Na altura, os meios de comunicação portugueses traduziram a expressão para “cúpula de calor”. Embora o termo não faça parte do léxico utilizado pelos meteorologistas, segundo Alexandra Fonseca, ele traduz a existência de um bloqueio que faz com que haja uma massa de ar quente numa certa área geográfica do globo durante um período de tempo alargado.

No caso da onda de calor de Portugal, essa força de bloqueio foi o anticiclone dos Açores, que no Verão costuma estar mais a norte. O anticiclone “manteve-se estacionário muito tempo antes de recomeçar a sua circulação normal”, adianta Alexandra Fonseca. Isso fez com que uma depressão a oeste de Portugal continental se mantivesse ali, trazendo o ar quente do Norte de África continuamente para o território nacional. Com a movimentação da depressão para nordeste, o ar quente vai atingir regiões mais a norte na França, chegando ainda à Bélgica, à Holanda e ao Reino Unido.

Segunda e terça-feira serão os dias mais agudos para o Reino Unido. A partir de quarta-feira as temperaturas irão voltar a valores mais próximos do normal da época. No entanto, o Met Office considera que o fenómeno extremo é expectável quando se tem em consideração o actual regime climático.

“As alterações climáticas já estão a influenciar a probabilidade de haver temperaturas extremas no Reino Unido”, explicou Nikos Christidis, cientista do Met Office responsável por avaliar se um fenómeno extremo está associado às alterações climáticas. “As hipóteses de termos dias com temperatura de 40 graus no Reino Unido podem ser dez vezes maiores no clima actual do que num clima natural, não afectado pela influência humana”, disse, citado no comunicado do Met Office.

Tendência europeia

A nível global, a temperatura da atmosfera da Terra está a aumentar devido às emissões de gases com efeito de estufo, já tendo ultrapassado um grau da temperatura em relação ao nível pré-industrial. No entanto, este aquecimento não é homogéneo.

Um estudo científico publicado no início de Julho identificava a Europa como uma região especialmente afectada pelas ondas de calor. Nos últimos 42 anos, o continente europeu apresentou uma tendência de aumento de ondas de calor que é três a quatro vezes superior do que noutras regiões do Hemisfério Norte situadas à mesma latitude, adianta o resumo do artigo de uma equipa internacional publicado na revista Nature Communications.

Este fenómeno está ligado às mudanças na circulação atmosférica. Mas, “não sabemos exactamente o que espoleta isto”, disse, citada pelo jornal norte-americano New York Times, ​Efi Rousi, co-autora do artigo e investigadora na área do clima do Instituto Potsdam para a Investigação do Impacto Climático, na Alemanha.

Independentemente das explicações científicas para esta tendência, os impactos das alterações climáticas necessitam de uma resposta em tempo real, argumenta Hannah Cloke, especialista do clima da Universidade de Reading, Inglaterra. “Estamos a ver estes problemas agora e eles vão tornar-se piores. Precisamos de fazer algo agora”, disse Hannah Cloke, sublinhando o problema da falta de preparação das pessoas para os novos tempos quentes. “É mais difícil lidar com este tipo de temperaturas no Reino Unido, porque nós simplesmente não estamos habituados a elas.”

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