Gouveia e Melo: “Não tenho ambição nenhuma além de ser militar”

O “mais mediático” dos comandantes que já assumiu o gabinete de Chefe de Estado Maior da Armada (CEMA) quer fazer uma “revolução, no bom sentido” e prefere não falar do horizonte. Diz que está farto que lhe façam a mesma pergunta (se se irá candidatar a Belém) e escolhe o silêncio quando questionado sobre o fecho das urgências.

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LUSA/MÁRIO CRUZ

Gouveia e Melo diz-se “plenamente realizado” na sua missão militar enquanto chefe de Estado Maior da Armada (CEMA). Em entrevista ao Observador, o coordenador da task force admite sentir pressão mediática quanto a uma eventual candidatura à Presidência da República, mas afirma que neste momento está concentrado na sua função e quanto ao futuro logo se vê. Há seis meses no comando da Marinha, diz estar a “dialogar” com o Governo aumentos salariais na Marinha. E não quis falar da guerra na Ucrânia, nem do estado das urgências hospitalares.

Quando lhe perguntam sobre uma eventual candidatura à Presidência da República, Gouveia e Melo responde que a sua única ambição “é ser militar e desenvolver a minha actividade militar”. “Muita gente fala sobre muita coisa. O que é que lhe posso dizer? Continuem a falar, se quiserem. Eu não tenho nada a ver com isso. Sou militar, estou a fazer uma missão militar, estou muito satisfeito com o que estou a fazer", diz. Ainda assim, não fecha a porta. “Logo se vê o que acontece. Mas não estou preocupado com isso, estou concentrado na minha missão. E gostaria que me deixassem concentrar na minha missão e não me fizessem a mesma pergunta 300 vezes”, responde.

Confrontado com os momentos que antecederam a sua tomada de posse, Gouveia e Melo garante que não se sente fragilizado. “Para mim, o processo foi muito simples: convidaram-me para ser o CEMA e eu aceitei o convite. Colocaram-me em funções e eu estou em funções. Nós somos militares, obedecemos ao poder político e é assim que deve ser. O poder político decidiu quando decidiu, nas condições em que quis decidir e, uma vez tomada a decisão, nós assumimos as consequências da decisão porque é esse o nosso papel enquanto militares”, responde.

Questionado sobre se tem sentido dificuldades em implementar as suas ideias para um novo projecto da Marinha, Gouveia e Melo responde que “as dificuldades são naturais” e que “quem não tiver dificuldades também não consegue liderar nada”, mas destaca a importância da coordenação com o Governo. “É importante que o Governo apoie estas iniciativas — e tem-nas apoiado — que passam por virar o país mais para o Atlântico. E, virando o país para o Atlântico, ganhar uma nova centralidade geoestratégica”, diz.

Quanto aos recursos que tem a seu dispor conta que “são sempre escassos”. “A minha obrigação é fazer o máximo que posso e conseguir que a minha organização seja o mais eficiente possível. Se o Estado achar que deve alocar mais recursos, eles serão todos bem utilizados”, compromete-se.

Uma das estratégias de Gouveia e Melo é a “robotização”, que não é compatível com uma “Marinha antiquada”, e que aumenta a operacionalização com “novas tecnologias, inteligência artificial, robotização de funções pesadas, utilização de drones para ter maiores capacidades de vigilância de alcance superior nas nossas acções”.

Quanto à melhoria das condições de carreira dos militares, Gouveia e Melo afirma que uma vez que a Marinha faz parte da sociedade portuguesa então “sofre do que a sociedade portuguesa sofre”. “Não somos um corpo exógeno a essa sociedade. Portanto, os nossos ordenados, as nossas retribuições reflectem um bocado o que é sociedade portuguesa como um todo”, diz.

Gouveia e Melo afirma ainda que está “em diálogo” com o poder político para a valorização salarial na Marinha, mas diz que “tem de ser feito com os pés assentes na terra”.

Quanto à importância geoestratégica do mar em tempos de tensão internacional, Gouveia e Melo resume “de forma muito simples” “A NATO é uma união de defesa que une duas partes do Atlântico, a América do Norte e Canadá, de um lado, e a Europa ocidentalizada, do outro” e por isso, se o controlo sobre este Oceano se perder, perde-se a batalha logística. “Há dois papéis: o militar e o económico. O militar é garantir que as linhas de comunicação leste-oeste no Atlântico são garantidas para esta grande coligação que é a NATO. E nós, com os Açores, com a Madeira e com nosso posicionamento geográfico, temos um papel super relevante. E deve ser feito por nós na máxima extensão possível para não sermos substituídos dentro da própria aliança. Isso seria grave porque iria afunilar as nossas opções dentro das nossas alianças”, conclui.

Sobre o afastamento do capelão da Marinha, depois de ele o criticar nas redes sociais a propósito da suspeita de envolvimento de dois fuzileiros na morte de um agente da PSP, Gouveia e Melo não dá detalhes, mas lembra que as forças armadas “são sistemas hierarquizados e disciplinados”. “Bastava dizer essas duas coisas para lhe explicar que nada do que aconteceu foi injusto. Além disso, os valores que todos defendemos têm de ser humanistas. E eu não posso permitir que se relativize a vida humana em determinadas situações”, diz.

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