Os rankings não avaliam as escolas

É pernicioso e redutor usar os rankings para uma certa construção social da excelência e do mérito. Esse exercício conduz a uma certa naturalização da iniquidade, porquanto todos sabemos que genericamente o desempenho dos alunos, dos professores e das escolas depende das características económicas, sociais e culturais do público que serve e do meio envolvente.

Em 2001, o Ministério da Educação passou a tornar públicos os resultados dos exames nacionais por decisão do tribunal, na sequência de uma ação judicial interposta por José Manuel Fernandes, à época, diretor do jornal PÚBLICO. A seriação das escolas em função dos resultados – os famosos rankings – constituem um exercício jornalístico que compara esse desempenho dos alunos das escolas – públicas e privadas – através de um instrumento de avaliação externa, de natureza sumativa, aplicado universalmente. Apesar da contestação de uns e do gáudio de outros, esse exercício jornalístico – que já se ritualizou na imprensa portuguesa – enquadra-se num “ecossistema” competitivo, onde toda a atividade humana se mede e se compara, evidência do liberalismo económico de abrangência global associado a um modo de avaliação que tudo transforma em números hierarquicamente organizados.

Os defensores dos rankings advogam que se trata de um indicador que serve aos pais para fazerem escolhas, e às escolas para melhorarem a qualidade do seu serviço. Os que os questionam apresentam dois argumentos: o primeiro, de que se compara o incomparável; o segundo, de que é impossível avaliar a qualidade das aprendizagens realizadas ao longo de dois ou três anos letivos, tendo por base uma demonstração de desempenho realizada em cerca de duas horas.

Não pondo em causa a utilidade dos exames, o que considero é que, por um lado, é pernicioso e redutor usar os rankings para uma certa construção social da excelência e do mérito. Por outro lado, esse exercício conduz a uma certa naturalização da iniquidade, porquanto todos sabemos que genericamente o desempenho dos alunos, dos professores e das escolas depende das características económicas, sociais e culturais do público que serve e do meio envolvente.

Mas vamos ao que importa: a qualidade da educação e a sua avaliação. Em 2001, Portugal desenvolvia um projeto piloto de avaliação externa das escolas, mas só em 2006/2007 esta começaria a ser aplicada universalmente no continente. Com uma nota: a avaliação externa só foi aplicada às escolas públicas. Equipas de avaliadores constituídas por inspetores e por peritos externos, ciclicamente, desenvolvem um processo complexo de avaliação das escolas cujo referencial, findo cada ciclo, é revisto e melhorado com base em contributos dos grupos de trabalho nomeados e também do Conselho Nacional de Educação.

Está em curso o 3.º ciclo de avaliação externa das escolas e as equipas de peritos escrutinam o trabalho das organizações educativas em vários domínios. Atualmente, os domínios são a autoavaliação, a liderança e a gestão, a prestação do serviço educativo e, naturalmente, os resultados. Neste domínio, são analisados os resultados académicos, mas também resultados sociais, tais como a participação na vida da escola, solidariedade e cidadania, entre outros. A prestação do serviço educativo tem em conta o bem-estar dos alunos, a oferta educativa e a gestão e articulação curricular, a promoção da equidade e inclusão, a planificação e a avaliação da prática educativa, entre outros. A liderança e gestão avalia a visão estratégica, a organização e afetação de recursos, a comunicação e o ambiente escolar, entre outros indicadores. Por último, mas porventura o mais importante para a melhoria da qualidade – a autoavaliação -, a capacidade de as organizações educativas fazerem, de modo participado, a análise crítica dos processos e implementarem estratégias de melhoria, mormente da qualidade das aprendizagens com vista a melhorar os resultados.

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Esta é uma avaliação complexa de organizações educativas, marcadas pela complexidade, que analisa dados quantitativos e qualitativos, que contempla fontes documentais e que ausculta os stakeholders. Os resultados desta avaliação são apresentados à comunidade escolar e são objeto de contraditório, se for esse o entendimento dos visados. O conhecimento produzido sobre o trabalho das escolas dá conta de um trajeto de melhoria nos processos e em produtos que não se consubstanciam exclusivamente em exames nacionais.

Neste 3.º ciclo, iniciado em 2018, os estabelecimentos particulares financiados pelo Estado passaram a ser objeto dessa avaliação externa. Tentar comparar as escolas públicas entre si ou com os estabelecimentos privados com base nesses dados seria um exercício hercúleo que nos levaria a concluir sobre a impossibilidade de as seriar. Quanto muito, é possível agrupá-las por clusters, em função das características geográficas e socioeconómicas do meio envolvente e do público que servem, exercício que este modelo de avaliação externa já conseguiu realizar para calcular o valor acrescentado das escolas.

Isto porque não podemos comparar os resultados de uma escola, num centro urbano, frequentada por alunos de uma classe média alta com os de outra situada numa região demograficamente deprimida onde os serviços públicos e as ofertas culturais teimam em chegar e cujos alunos pertencem a famílias de operários, ou com os resultados das escolas nas periferias das áreas metropolitanas, com uma população discente cujas famílias vivem na precariedade.

Voltando ao tema dos exames e dos rankings: continuarão a alimentar a imprensa e as eternas discussões em torno do trabalho das escolas. Persistirá a construção social da qualidade da educação em torno do público versus privado. À agenda neoliberal servirá para insistir na privatização e no cheque-ensino. A quem concebe a educação como um bem público promotor de equidade e qualidade deverão os rankings servir para exigir mais investimento na educação e uma verdadeira accountability assente em modelos responsivos e democráticos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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