Incêndios em Portugal. Animais mortos e carros queimados — as contas de quem viu as chamas por perto

Na terça-feira, várias aldeias foram afectadas pelos incêndios que deflagraram no centro do país. Animais mortos e carros destruídos entre as perdas das pessoas que hoje fazem contas à vida.

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Milhares de bombeiros combatem os incêndios que deflagraram nos últimos dias ADRIANO MIRANDA/PUBLICO

Nos locais onde o fogo deflagrou, na terça-feira, há o resto de fumo, de cinzas e de negro. Depois de dias de combate às chamas por residentes e bombeiros, o reforço de equipas de intervenção nos incêndios já se faz sentir em Pombal e em Leiria.

Pelas freguesias de Lagoa de Ceiras e Vale Perneto, onde o fogo chegou a várias habitações, vão-se multiplicando os grupos de bombeiros em alerta para os reacendimentos que vão acontecendo um pouco por todo o território. Mas, para Adelino Carvalho, o reforço no número de operacionais chega tarde.

O homem residente em Lago das Ceiras conta que na noite anterior o fogo lhe roubou um tractor, uma ceifeira, uma motosserra e muitas outras coisas. As lágrimas que lhe enrubescem os olhos contêm a dor de quem foi obrigado a abandonar o sítio onde mora mesmo a ver o fogo aproximar-se. Ainda assim, agradece. A sua casa ficou de pé. Ao lado, Albertina Martins, vizinha de Adelino, critica a acção dos bombeiros: “Só apareceram ao fim da noite. Já estava tudo ardido.”

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População faz frente ao fogo da melhor forma que pode Adriano Miranda

A mulher acrescenta que a Protecção Civil obrigou os moradores a abandonarem as casas, sem haver intervenção de qualquer corporação no local. Embora tivesse tentado ajudar a conter as chamas, revela que tal foi impossível: “Cortaram-nos a água da companhia. Ainda hoje não temos água.” Adelino, por outro lado, refere que a água não teria mudado o destino dos terrenos que arderam em redor de suas casas. “O incêndio tinha duas frentes e nós ficávamos no centro”, explica.

A uns quilómetros de distância, em Vale Perneto, Cátia Felício está de olhos postos no anexo de casa onde tinha dois carros estacionados. O anexo ardeu por completo, os carros estão irreconhecíveis. Cátia vive com o irmão e a cunhada e fugiu da casa onde mora às 19h de dia 12, tendo voltado às 23h. Cá fora, conta estar de vigia, com medo de que algum fogo reacenda. Conta que a maior preocupação era a de que o fogo lhe levasse o lugar onde mora, já que os bombeiros foram obrigados a intervir na casa do outro lado da rua. A sua habitação não ardeu, apesar da proximidade das chamas.

Em Leiria, na Caranguejeira, não se vêem as chamas que assolaram o território nos últimos dias e o céu já mostra alguns tons de azul por entre os rastos de fumo. Ao longo das freguesias de Milagres e até chegar a Colmeias, faz-se adivinhar o cenário da noite anterior. Ainda há postes de electricidade em chamas, e nas florestas não há um rasgo de verde.

Manuel Jorge, à porta da sua oficina, varre folhas de pinheiro que lhe caíram para cima dos carros. Natural de Leiria, ontem viu o fogo chegar à porta da oficina de que é responsável. Depois de ser obrigado pela Protecção Civil a abandonar o trabalho na tarde de 12 de Julho, trancou os quase dez carros dentro da oficina e esperou pelo melhor. Hoje, o terreno que circunda a oficina está ardido, mas, além do contentor do lixo no exterior, tudo está intacto. “Espero que não haja mais nada”, desabafa, de vassoura na mão. Manuel conta que tratou de apagar alguns pontos incandescentes no terreno envolvente com baldes de água e varre as folhas para impedir que os carros incendeiem.

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Populares viram carros destruídos na sequência dos incêndios Adriano Miranda

Uns metros ao lado, uma vacaria não teve a mesma sorte. O edifício tem indícios de ter sido assolado pelas chamas. No chão, jaz um porco morto. Não mostra sinais de ter sido queimado, mas sim morrido por intoxicação pelo fumo.

Ainda em Colmeias, quatro jovens estão deitados e sentados no jardim. Noutra época, podiam passar por estar a apanhar banhos de sol. A realidade, no entanto, é mais nefasta: estão de vigia. João Ferreira e Nádia Roseiro, acompanhados de dois amigos, contam o clima de aflição do dia anterior em que, junto com habitantes locais, extinguiram dois pequenos fogos, nas traseiras e em frente à casa que compraram há três meses. “Foi a pior forma de conhecer os vizinhos, conta João.” Os quatro amigos afirmam que ficarão de plantão até deixar de ser necessário.

Em todo o território é notória a atitude de alerta da população. Qualquer coluna de fumo provoca um susto e o receio de que comece tudo de novo. Foi por estar alerta que Vanessa Miranda participou um fogo que viu começar. “O fogo não começou no chão, vi umas folhas presas numa árvore a arder”, conta. A mulher ligou imediatamente para os bombeiros, que chegaram ao local uns 20 minutos mais tarde.

Texto editado por Ivo Neto

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