Gestão do Novo Banco “não salvaguardou o interesse público”, conclui o Tribunal de Contas

A segunda auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco aponta o dedo à “incapacidade do banco de gerar com a sua actividade níveis de capital adequados à cobertura dos seus riscos”. E acusa a gestão de não ter minimizado o recurso ao financiamento público.

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António Ramalho será substituído por Mark Bourke na liderança do banco a partir de Agosto MÁRIO CRUZ
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António Ramalho será substituído por Mark Bourke na liderança do banco a partir de Agosto Rui Gaudêncio

O segundo exame da entidade liderada por José Tavares ao financiamento público do Novo Banco sintetiza-se numa frase: “a gestão do Novo Banco não salvaguardou o interesse público”. Uma conclusão que assenta na ideia de “não ter sido minimizado o recurso a esse financiamento” por parte da gestão liderada pelo já demissionário António Ramalho.

A auditoria do Tribunal de Contas (TdC), divulgada esta terça-feira, detalha as práticas de gestão que levaram a este diagnóstico, em particular a venda de carteiras com descontos muito acentuados sem justificação, a aparente falta de propósito ou incapacidade da gestão para minimizar as perdas para o Estado ou os riscos de conflito de interesse em algumas operações. Mas também não poupa o Estado, nem o Banco de Portugal. E alerta para um cenário em que o Estado pode ser obrigado a ter de injectar mais dinheiro na instituição.

A iniciativa deste organismo surge por solicitação da Assembleia da República e foca-se no financiamento público do Novo Banco (NB) pelo Fundo de Resolução (FdR), ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente (ACC), tendo como objectivo avaliar um conjunto de práticas da gestão no sentido de salvaguardar o interesse público. E, para concluir que esse interesse público não foi defendido, o TdC dedicou a sua atenção às decisões relativas às carteiras de activos cobertas pelo mecanismo criado com o objectivo de repor os desequilíbrios na solidez do banco face às metas impostas pela Comissão Europeia.

O facto de o plano de reestruturação desenhado pelo Lone Star ter accionado injecções de 3,4 mil milhões de euros até ao final de 2021 (de um total de 3,9 mil milhões disponíveis) “revela a incapacidade do NB (ou não ter o propósito) de gerar com a sua actividade níveis de capital adequados à cobertura dos seus riscos”.

Sobre as vendas de carteiras, olhando para o período entre 2018 e 2019, o TdC identifica que o NB “vendeu activos com desconto de 75% face ao valor nominal ou valor contabilístico bruto e de 33% face ao valor contabilístico líquido de imparidades”. Nestas operações, “não foi demonstrado que a estratégia de redução de activos através de vendas em carteira fosse eficaz e eficiente na prossecução do princípio da minimização das perdas/maximização do valor dos activos”.

Para ilustrar esta prática da equipa de António Ramalho, este organismo concluiu ainda que “nas revendas realizadas, os compradores do património imobiliário, incluído em duas carteiras, obtiveram mais-valias iguais ou superiores a 60%” depois de o Novo Banco ter assumido perdas que viriam a ser cobertas pela almofada do Estado.

As críticas à actuação da administração do NB alastram-se a outras dimensões, nomeadamente à identificação de “riscos de conflito de interesses e potenciais impedimentos” em operações do NB, ou à detecção de “práticas que, sendo evitáveis pela gestão do NB, oneraram o financiamento público”.

Ainda sobre a gestão, o TdC aponta o dedo ao facto de não ter sido ainda acatado, um ano depois, “o recomendado no Relatório 7/2021 sobre demonstração e validação do valor a financiar, comunicação da imputação de responsabilidades, segregação de funções e riscos de complacência ou de conflito de interesses”. Uma referência à primeira auditoria deste organismo que se dedicou ao processo de financiamento público que resultou da venda do NB ao Lone Star.

Mas não é só a gestão e o accionista privado do banco que estão na mira do Tribunal. Recuando um pouco mais no tempo, a auditoria conclui que “à data da venda do NB [em Outubro de 2017], a avaliação e valorização dos activos registados no balanço não eram adequadas e exigiam a constituição de provisões para potenciais perdas”.

Perante esta situação, continua o TdC, “nem o Estado, nos compromissos assumidos perante a Comissão Europeia (CE), nem o Banco de Portugal (BdP), na negociação do ACC, salvaguardaram a minimização do recurso ao apoio financeiro público, assegurando controlo público eficaz”.

Para o futuro, a auditoria lança dois alertas. Por um lado, “subsiste o risco do período de reestruturação se prolongar para além da data prevista (31 de Dezembro de 2021), pois o NB não atingiu os níveis de rendibilidade estabelecidos para o efeito e a CE ainda não se pronunciou sobre o fim desse período”.

Por outro lado, e como consequência deste eventual prolongamento, “também subsiste o risco de accionamento do mecanismo de capital adicional (capital backstop), até 1,6 mil milhões de euros, previsto nos compromissos assumidos pelo Estado Português para assegurar a viabilidade do NB, o que os impactos adversos da pandemia e do conflito militar na Ucrânia tendem a agravar”.

O Novo Banco está, neste momento, num período de transição da equipa de gestão, depois de António Ramalho ter sido demitido a meio do seu segundo mandato e substituído por Mark Bourke, antigo administrador financeiro da instituição e homem de confiança do accionista privado, o fundo norte-americano Lone Star.

Entretanto, as injecções de capital com cobertura do Estado pararam, apesar de ter sido solicitado um novo apoio do Fundo de Resolução por parte de António Ramalho, numa altura em que o banco já regressou de forma consistente aos lucros depois de, alega a gestão, ter terminado o plano de reestruturação. Em paralelo, correm nos tribunais vários litígios entre o Fundo de Resolução, accionista com 25%, e o banco em tornos de operações contabilísticas com impacto no mecanismo previsto no ACC.

Em paralelo, a gestão de António Ramalho, em particular o seu ex-braço-direito Vítor Fernandes, foi apanhado nas escutas da Operação Cartão Vermelho, que revelaram uma relação próxima entre os responsáveis do banco e um dos seus principais devedores, Luís Filipe Vieira, que está na mira do Ministério Público pela alegada prática de um conjunto de crimes.

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