O circo todo-o-terreno dos Baro d’evel (com um cavalo branco no elenco)

A companhia de circo franco-catalã apresenta, esta quinta-feira e sexta no Rivoli, Falaise, um espectáculo sobre “o colapso” e como resistir colectivamente a ele. Nos dias 15 e 16, sobe ao palco do Centro Cultural de Belém.

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O cavalo branco de Falaise tem o seu próprio osteopata,O cavalo branco de Falaise tem o seu próprio osteopata Franccois Passerini,Franccois Passerini
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Falaise, criação dos Baro d’evel Franccois Passerini
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Falaise é apresentado no Rivoli e no Centro Cultural de Belém Franccois Passerini

Camille Decourtye e Blaï Mateu Trias cresceram no meio do circo, entre rulotes e caravanas, on the road, ela em França, ele na Catalunha. Mais tarde, juntaram-se na direcção artística da companhia Baro d’evel, onde continuam a fazer espectáculos pela estrada fora, nas ruas, no espaço público, em tendas de circo.

Em 2018, decidiram criar um díptico para palco, dentro do teatro. Começaram com, um dueto interpretado por ambos, ao qual se seguiu Falaise (2019), “a maior produção” que fizeram até agora. É com ela que se apresentam, esta quinta-feira e sexta, no Teatro Rivoli, num espectáculo integrado no Trengo - Festival de Circo do Porto, seguindo nos dias 15 e 16 para o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, em mais um capítulo do Festival de Almada (em ambos os casos, as récitas acontecem no âmbito da Temporada Portugal-França 2022).

“Esta peça fala sobre o ser humano e sobre como existir enquanto colectivo no meio do colapso. Tudo está a cair”, introduz Camille Decourtye em declarações ao PÚBLICO. “Ao mesmo tempo, é também sobre conseguir encontrar alegria e soluções para lidar com isso, e continuar. Como podemos ajudar-nos mutuamente”, acrescenta. Para os criadores, há “algo de trágico” em Falaise, e a isso não é alheio o estado do mundo, que tem vindo a piorar consideravelmente desde a estreia da peça. “Quando começámos, pré-covid, as pessoas que iam ao teatro não queriam aceitar que o mundo já estava a colapsar”, diz Camille Decourtye. “Agora, com a pandemia, com a Guerra da Ucrânia, há mais camadas e isso também traz novas leituras ao espectáculo”, acrescenta Blaï Mateu Trias.

Contudo, há um optimismo que se impõe. Não só através dos momentos de humor e de descarga emocional que vão temperando a peça, mas também através da narrativa plástica e cenográfica, ancorada num jogo entre o preto e o branco e “as metáforas que daí advêm”, notam os artistas. “Em Là, começávamos na cor branca e íamos para o preto. Aqui começamos no preto e vamos para o branco, na busca de luz, de esperança. Isto também é uma ponte entre o que se passa na sociedade e o que se passa dentro de nós – nos dois casos, nada é preto no branco.”

Da dança à música

Um dos objectivos de Camille Decourtye e Blaï Mateu Trias era dar forma a uma “pintura viva” que se fosse metamorfoseando ao longo do espectáculo, tendo como referências nomes do cinema e da pintura, como Andrei Tarkovsky, Béla Tarr, Wim Wenders, Antoni Tàpies ou Frederic Amat. “Olhar além do circo, e das artes performativas em geral, é muito importante para nós”, afirma Blaï Mateu Trias. “Estamos sempre à procura de cruzamentos, porque assim também conseguimos chegar a mais públicos, ou pelo menos fazer com que cada espectador/a absorva a experiência de forma sinestésica e de várias perspectivas, cada um/a fazendo a sua própria viagem.”

Mesmo dentro das artes performativas, a companhia procura essa polifonia. Falaise é um espectáculo de circo todo-o-terreno, para o grande público, onde se intersecta teatro, dança, acrobacia, clown, música, e onde o elemento surpresa, e os pequenos fogos-de-artifício, são dados pela interacção com o cenário, não tanto pelo virtuosismo dos corpos, como é habitual nos espectáculos de circo. “Do circo, mantemos o corpo performático, as acrobacias, mas não jogamos tanto com o que o nosso corpo é capaz de fazer. Pelo contrário, vamos mais pelo lado da fragilidade”, considera Blaï Mateu Trias.

A dimensão dramatúrgica e plástica de Falaise é também marcada pela presença em cena de um cavalo branco e de pombos, que “fazem parte do elenco, tal como os oito intérpretes da peça”, dizem os criadores. Os animais, que vivem com Camille Decourtye e viajam juntamente com a equipa (no caso do cavalo, tem o seu próprio osteopata), são “os mestres do tempo, do lugar e da acção”.

“Quando eles estão em palco e param, nós paramos; quando eles se mexem, nós movemo-nos.” Há “um diálogo” entre eles e os intérpretes, diz Camille, que se baseia sobretudo na improvisação e “numa energia particular”. “Além de convocarem imagens que têm a ver com os temas da peça, eles também nos ajudam a comunicar sobre o invisível e o indizível”, assinala Blaï Mateu Trias. E ajudam os Baro d’evel a dar corpo ao teatro que lhes interessa: “Uma espécie de cerimónia, um momento de excepção e de partilha”, apesar do mundo lá fora.

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