Habitações e fogos florestais

A protecção externa das casas, principalmente moradias, face ao fogo é ignorada nos projectos originais entregues às câmaras. Muitos erros são cometidos nas escolhas dos elementos de fachada externa, deixando as moradias e os habitantes vulneráveis a um fogo florestal.

Nos últimos anos, devido às alterações climáticas os incêndios têm tido um elevado impacto nas áreas florestais, causando a destruição de habitações. De acordo com os dados do ICNF, a área ardida de 2017 foi superior aos “maus anos” de 2003 e 2005, e esta situação vai ainda piorar no futuro.

Em 2017 ocorreram dois dos maiores incêndios registados na história de Portugal – Pedrógão Grande e 15 de Outubro, causando 114 mortos. Na sequência destes incêndios foi actualizada a legislação de protecção para os fogos florestais (decreto-lei 76/2017), mas, curiosamente, esta legislação só se preocupou em definir medidas em relação à floresta, não tendo apresentado qualquer medida sobre as características construtivas das habitações em relação ao fogo. As peritagens realizadas após aqueles incêndios mostraram claramente que as habitações que tinham ardido possuíam tipologias construtivas sem qualquer protecção passiva antifogo. A desconsideração deste aspecto levou a que as casas ardidas voltassem a ser reconstruídas de forma idêntica ao original, ou seja, é previsível que voltem a arder num novo fogo florestal.

Apesar das técnicas preventivas e de monitorização da floresta terem sido implementadas com sucesso em Portugal, a dura realidade é que, com a nossa densidade florestal, é quase impossível impedir futuros fogos florestais. Deste modo temos de prevenir futuras mortes nos próximos anos, quando os fogos florestais se aproximam da interface urbano-florestal. Como? A resposta é simples, as habitações têm de ser à prova de fogo florestal - isto parece a história do “ovo de Colombo”, mas incrivelmente não existe legislação neste aspecto fulcral.

Temos dos mais avançados conhecimentos técnicos em Portugal, relativamente à protecção de edifícios no caso da ocorrência de um incêndio no seu interior. Em todo o caso, a protecção externa das habitações, principalmente moradias, é ignorada nos projectos originais entregues às câmaras municipais. Muitos erros são cometidos nas escolhas dos elementos de fachada externa, tornando as moradias e os habitantes dentro delas vulneráveis à acção de um fogo florestal.

Para que o leitor perceba, existe uma dura e crua realidade relativamente a este tópico, que é que, a tecnologia aeroespacial, biologia e computação digital evoluíram para níveis fenomenais, mas, no século XXI, continuam desnecessariamente a morrer pessoas devido a fogos florestais. Somos capazes de desenvolver vacinas em meses, mas continuamos ignorantes quanto à forma como proteger os humanos e as suas casas de fogos florestais. Alguma vez pensou nisso?

Esta importante lacuna esteve em 2018 na génese de um projecto de investigação no CERIS do Instituto Superior Técnico (whp.tecnico.ulisboa.pt), que consiste na protecção ao fogo florestal de habitações em zonas de risco.

Com a época dos incêndios florestais a entrar na fase crítica com altas temperaturas, será que este ano tudo vai correr bem? Talvez sim, talvez não…

Será que finalmente vamos ter legislação para finalmente exigir tipologias construtivas exteriores anti-fogo florestal?

Sugerir correcção
Ler 2 comentários