O rio Homem estava “uma miséria”, mas sete homens estão a devolvê-lo à população

Em Terras de Bouro, sete sapadores do rio estão a reabilitar e a gerir a linha de água, a combater as espécies invasoras e a permitir que todos possam usufruir do rio.

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Luis Efigenio / PUBLICO

No final de 2020, Domingos Sousa, de 51 anos, respondeu a uma convocatória da Câmara Municipal de Terras de Bouro relativa a um emprego. Desconhecia detalhes, mas sabia que o trabalho iria incidir sobre as margens do rio Homem, que à época “estava uma miséria”. Desempregado, e com experiência em limpeza de terrenos, decidiu aceitar o convite. Dois anos depois, é Domingos quem lidera um grupo de sete sapadores dos rios, um projecto inédito no país que nasceu de um protocolo assinado entre o município de Terras de Bouro e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

“Este rio? Quem o via, e quem o vê!...”, assinala o sapador, lembrando o estado das margens do rio Homem quando o encontrou: “Os pescadores nem conseguiam pescar. Usava-se o rio, mas em poucos sítios, estava muito bloqueado”. Antes de colocarem mãos à obra, Domingos e os seus seis sapadores foram formados por Pedro Teiga, engenheiro da empresa Engenho e Rio, especializada em reabilitação fluvial e que colabora com a APA. “Começaram por ter um plano teórico, sobre técnicas de engenharia”, começa por explicar o responsável. As técnicas de engenharia serviram para a aprendizagem do “melhoramento do estado das linhas de água, tarefas de desobstrução de espécies invasoras e a criação de um espaço autóctone”.

Das lições, Domingos descobriu quais “as pragas que eram precisas destruir” e a implantação de “estacagens verdes para a água do rio não vir comer aos terrenos”. A estacaria viva, explica Pedro Teiga, é a técnica que antecede a plantação de espécies autóctones, que ainda não foram plantadas “por causa dos últimos meses secos”, e protege o “amial ribeirinho” — um habitat “prioritário à escala europeia”. “Queremos criar esse corredor ecológico e afastar as espécies invasoras que estão a descer das encostas e a entrar neste sistema”, acrescenta o especialista. Se não for criado o corredor ecológico, “quem ganha a corrida serão as espécies invasoras”, e estará aberto um “foco de inflamação directo e de propagação de incêndios”.

O trabalho de Domingos e dos seis colegas passa por “retardar e conter as pragas, através da humidade e de áreas mais frescas, e de reter mais água nos períodos de verão”. Além disso, toda a manutenção permite a criação de novos trilhos visitáveis. Para Pedro Teiga, o trabalho dos sete sapadores, “único à escala nacional”, deve ser replicado no resto do país. É que os sapadores dos rios, ao contrário dos guarda-rios ou dos sapadores florestais, são a “gestão activa dos rios” e possibilitam aos municípios ter uma equipa efectiva, desobrigando à contratação externa. “Este rio não teve intervenção nos últimos 20 anos e agora tem uma manutenção diária”, sublinha o especialista. E Domingos agradece: “Somos filhos da terra, passamos o dia nisto e fazemo-lo com outro gosto e outra vontade”.

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O protocolo assinado entre o município de Terras de Bouro e a APA em 2020 teve a dotação orçamental de 100 mil euros, destinados aos sete postos de trabalho e à aquisição de material. No final de 2021, o protocolo foi renovado em mais 50 mil euros e esta terça-feira, dia 5 de Julho, novamente em mais 50 mil.

O presidente da autarquia, Manuel Tibo (PSD), lembrou que o projecto, criado pelo próprio município, nasceu em cima de um território que “deixou de ter muita agricultura tradicional” e muitos “terrenos nas zonas ribeirinhas ficaram completamente abandonados”. Para o autarca, o projecto que “criou sete postos de trabalho” deve ser “replicado a nível nacional”, abrindo portas para que “outros municípios venham a Terras de Bouro e conheçam a dinâmica do terreno”.

Presente na cerimónia protocolar, o secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas, João Paulo Catarino, assumiu que “faz todo sentido replicar o projecto” a outras zonas do país, lembrando que “o emprego e os servidores públicos nestes territórios têm uma dimensão social importantíssima” depois da “extinção, a partir das décadas de 80 e 90, de profissões como guarda-rios ou guardas-florestais, determinantes na preservação destes territórios”.

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