Política de Bolsonaro para a Amazónia na mira dos eurodeputados

Proposta de resolução, que será votada na quinta-feira, critica a violência contra os indígenas e ambientalistas brasileiros e pede que a União Europeia vigie a origem dos produtos brasileiros.

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Proposta de resolução do Parlamento Europeu é uma reacção aos assassinatos de Dom Phillips e de Bruno Pereira ADRIANO MACHADO/Reuters

Na próxima quinta-feira, o Parlamento Europeu (PE) vai votar uma proposta de resolução em que se condena o aumento de violência aos grupos indígenas e aos defensores do ambiente no Brasil, no contexto da floresta da Amazónia e da sua degradação. O documento é ainda uma reacção aos assassinatos recentes do repórter inglês Dom Philips, que escrevia para o jornal britânico The Guardian, e do antropólogo e indigenista brasileiro Bruno Pereira, antigo funcionário da Fundação Nacional para o Índio (Funai), ambos mortos há um mês, no Vale do Javari, na região mais ocidental da Amazónia e do país.

“Esta resolução surge no contexto da crescente degradação da situação das populações indígenas, dos ambientalistas e dos defensores dos direitos humanos no Brasil e foca-se no assassinato do jornalista Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira”, explica a eurodeputada socialista Isabel Santos, da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (APSD), uma das autoras do documento. A eurodeputada falou ao PÚBLICO logo após a conversa entre os partidos europeus que se sentam no PE para chegarem a uma conclusão sobre o documento final que vai a votos, na quinta-feira.

Além da APSD, o Renovar a Europa e os Verdes Europeus foram os grupos parlamentares que, separadamente, escreveram esboços da resolução usados para elaborar o documento final, que teve ainda o apoio do Grupo da Esquerda do Parlamento Europeu.

“Esta resolução é uma séria condenação ao Governo de Bolsonaro e à forma como tem permitido um avanço avassalador da desflorestação e tem abandonado a floresta da Amazónia e as suas gentes, expondo muitos destes indígenas e activistas a sérias ameaças, à morte e a terem de abandonar as suas terras”, acrescenta Isabel Santos, que acredita que a resolução irá ser aprovada. Na quarta-feira haverá uma discussão sobre o documento no PE, e só na quinta-feira, entre as 11h00 e as 11h45, é que a votação terá lugar. Se a resolução vingar, o documento mostra “uma vontade": “É um guia do que deve ser a actuação europeia, tem uma tomada de posição do PE face a um contexto”, afirma a eurodeputada.

Condenações e exigências

A proposta condena fortemente “o assassinato brutal de defensores do ambiente e dos direitos humanos, tal como de pessoas indígenas no Brasil, e mais recentemente o assassinato do jornalista Dom Philips e do activista Bruno Pereira”. Condena também “o aumento de violência, dos ataques e do assédio perpetrados contra os defensores do ambiente e dos direitos humanos, contra pessoas indígenas, minorias e jornalistas”.

Dom Philips, acompanhado por Bruno Pereira, encontrava-se a recolher informações para um livro sobre formas de combater a destruição da Amazónia quando se deu o crime. Os dois homens já tinham sido ameaçados, mas os seus assassinatos no início de Junho provocaram uma onda de comoção. No entanto, o documento agora produzido relembra que só em 2020 foram assassinados 20 defensores de terras e do ambiente no Brasil, de acordo com a organização não-governamental Global Witness. Ou seja, a violência naquela região não é nova.

Actividades ilegais de mineração, desmatamento e pesca ilegal, além do narcotráfico, têm deixado a Amazónia cada vez mais perigosa. Ao mesmo tempo, o Governo brasileiro tem retirado recursos e enfraquecido órgãos públicos como a Funai e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).

Neste contexto, a proposta de resolução no PE exige ainda que “as autoridades brasileiras tomem acções imediatas para prevenir a violação dos direitos humanos e proteger os defensores indígenas e do ambiente”, pedindo ao Governo brasileiro para reforçar “a legislação contra a desflorestação e a mineração ilegais”, para “restabelecer e reforçar as capacidades” da Funai e do Ibama e ainda para “cumprir os seus compromissos no Acordo de Paris em relação às alterações climáticas”.

Padrão OCDE

“O que se vive na Amazónia é aquilo que se pode qualificar como uma situação de ecocídio, é a mais dura das realidades”, denuncia Isabel Santos. Por isso, o documento também atribui um papel à União Europeia para lutar contra a situação. Por um lado, pede uma vigilância por parte dos Estados-membros às empresas que importam produtos do Brasil para que se faça “a verificação da proveniência dos produtos, de forma que nas nossas cadeias de abastecimento não possam entrar produtos que advêm de violação de direitos humanos e de crimes ambientais”, explica a eurodeputada. Por outro lado, o documento pede à Comissão Europeia para que os mecanismos de cooperação apoiem esforços no sentido de proteger os direitos humanos e das comunidades indígenas.

Em Janeiro deste ano, o conselho da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) iniciou conversações com o Brasil sobre a possível adesão do país à organização. Sobre estas conversações, o documento também tem algo a dizer: “Encoraja-se fortemente o Estado brasileiro a enfrentar crimes ambientais e a avançar para uma nova abordagem sustentável à Amazónia (…), para estar completamente alinhado com os padrões da OCDE.”

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