Devido ao anticiclone dos Açores, o clima em Portugal e Espanha é o mais seco em 1200 anos

Novo estudo científico indica que anticiclone tem vindo a ocupar uma área cada vez maior ao longo dos últimos 200 anos. Actividade humana é a única explicação possível.

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Em Junho, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera alertava que 97% do território português estava a ser afectado por condições de seca severa Nuno Ferreira Santos

O anticiclone dos Açores é um grande centro de altas pressões atmosféricas que exerce influência sobre o clima de várias regiões da Europa Ocidental, do Norte de África e das Américas. E tem, ao longo dos últimos 200 anos, vindo a ocupar uma área cada vez maior. Por causa disso, Portugal e Espanha estão neste momento a debater-se com o seu clima mais seco em mais de um milénio (precisamente, 1200 anos). Indica-o um estudo publicado esta segunda-feira na revista científica Nature Geoscience.

Olhando para os dois países da Península Ibérica, investigadores da Instituição Oceanográfica de Woods Hole, nos Estados Unidos, analisaram dados meteorológicos que remontam a 1850. Os autores do relatório também estudaram algumas estalagmites numa gruta portuguesa (a Buraca Gloriosa, no distrito de Leiria), que conservaram informação respeitante a níveis de precipitação muito mais antigos. Essa informação serviu para se fazerem modelos climáticos desde 850 até 2005.

Aplicando uma metodologia que envolveu a realização de várias “simulações numéricas”, os investigadores exploraram ainda a forma como, tanto em termos de tamanho como em termos de intensidade, o anticiclone dos Açores tem mudado ao longo dos últimos 1000 anos. “Descobrimos que o anticiclone da era industrial tem um comportamento diferente do da era pré-industrial”, pode ler-se no artigo científico, em que os co-autores sugerem que, devido à actividade humana e às cada vez mais significativas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), o anticiclone está a registar uma expansão considerável.

Antes de 1850 e de as emissões de GEE associadas à actividade antropogénica começarem a adquirir uma magnitude de relevo, não eram propriamente comuns os Invernos em que o anticiclone dos Açores cobria uma área invulgarmente grande. Segundo o estudo, esses Invernos eram registados somente uma vez a cada década. Mas essa frequência tem vindo a alterar-se ao longo dos últimos quase dois séculos. Desde 1980, esses Invernos anómalos vêm a acontecer uma vez a cada quatro anos.

De acordo com os investigadores, as suas simulações mostram que apenas a industrialização pode explicar este fenómeno. Isto não se deve a “variabilidade climática natural”, frisam, explicando que o comportamento anómalo do anticiclone tem condicionado tanto a Península Ibérica como o Norte da Europa e as ilhas britânicas.

No fundo, o anticiclone — que, sendo um centro de altas pressões atmosféricas, é uma região onde o ar fica mais seco (como tal, há menos humidade e, portanto, menos formação de nuvens que possam dar origem à chuva) — está a empurrar o clima húmido para cima, tornando mais provável a ocorrência de precipitação no Norte do Reino Unido e na Escandinávia.

“Observações mostram que, em Invernos com um anticiclone invulgarmente grande, há na costa ocidental da Península Ibérica 33% menos chuva do que deveria haver nessa estação”, pode ler-se no estudo, que tem como autores principais Caroline Ummenhofer e Nathaniel Cresswell-Clay.

Embora os modelos climáticos estudados pelos investigadores da Instituição Oceanográfica de Woods Hole só vão até 2005, espera-se que o anticiclone continue a registar uma expansão no futuro. Só se colocarmos um travão às nossas emissões de GEE esse cenário será invertido, alertam os autores do artigo.

A Península Ibérica vem a ser atingida por várias ondas de calor e secas ao longo dos últimos anos. A meio de Junho, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) alertava que 97% do território português estava a ser afectado por condições de seca severa, com todas as implicações que isso acarreta, indo do consumo humano até aos vários sectores económicos. Para os espanhóis, por seu turno, o último mês de Maio foi o mais quente de que há registo.

“A Espanha também é o maior produtor mundial de azeitonas e uma importante fonte de uvas, laranjas, tomates e outros produtos”, escreveu esta segunda-feira, a propósito deste estudo, o The Guardian. O jornal britânico refere que, no futuro, o comportamento anómalo do anticiclone dos Açores e os episódios de seca a ele associados poderão vir a ser muito problemáticos (ou ainda mais problemáticos) para o sector da agricultura.

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